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  • Foto do escritorNayara Reynaud

CAPITÃO FANTÁSTICO | Uma família e um filme a seu próprio modo

Atualizado: 14 de ago. de 2020


Viggo Mortensen e Samantha Isler em cena do filme Capitão Fantástico (2016) | Foto: Divulgação (Universal)


Ao ser questionada a fazer uma análise sobre sua leitura de Lolita, uma adolescente se diz perturbada com o protagonista do livro, do qual diz sentir tanto ódio, por ser no fundo um pedófilo, quanto pena, por ser um apaixonado. Se não fica clara a analogia logo naquele momento, não demora a surgir estes mesmos sentimentos contraditórios da jovem Kielyr (Samantha Isler) no espectador, mas sobre outro personagem: o pai dela, Ben Cash, interpretado por Viggo Mortensen em Capitão Fantástico (2016).

Ela é uma das seis crianças e adolescentes que compõem a grande prole dele e de Leslie (Trin Miller), um casal que resolve adotar um estilo de vida alternativo e morar com seus filhos no coração de uma floresta. Sob a supervisão paterna, eles seguem uma rígida rotina de exercícios físicos e estudos, que vão desde a literatura, história e física a ciências sociais e políticas, em especial, Noam Chomsky, do qual comungam a aversão ao capitalismo. Mas não, eles não são socialistas: a instrução do Sr. Cash e, particularmente, de Bodevan (George MacKay), Kielyr, Vespyr (Annalise Basso), Rellian (Nicholas Hamilton), Zaja (Shree Crooks) e Nai (Charlie Shotwell) não permite que se detenha em classificações binárias.

Porém, é muito fácil se deixar levar por seu “lifestyle”, seja pelo sintonia do elenco em criar este diferente ambiente familiar, com destaque para o timing cômico dos dois pequenos, desde a erudição da Zaja à curiosidade infantil de Nai, ou pela ideia hippie alternativa. Algo sentido também ótima trilha sonora folk, em que até Sweet Child O’ Mine, cuja letra se encaixa bem à narrativa, entra no clima e que, além de gaitas de fole, tem espaço para ironias leves – pelo menos, perto da nova imagem que virá a sua mente quando der descarga em um banheiro público – como uma versão instrumental de música ambiente de My Heart Will Go On, tema de Titanic, no som do supermercado.

Só que Capitão Fantástico não é mais uma dramédia familiar justamente por evitar as facilidades do cinema de massa e os maneirismos dos filmes indie, com os quais se assemelha. Em seu segundo longa, Matt Ross, ator que está na série Silicon Valley (2014-) e que fez sua estreia na direção em 28 Hotel Rooms (2012), faz uma obra de contrastes que se revela desde os cenários, desde o florestal do noroeste americano até os desérticos campos de golfe no Novo México, com uma série de shopping e lojas margeando o caminho. Mas se há a crítica a esse modo de vida consumista norte-americano – que não é exclusividade deles –, este choque com o “mundo exterior” abre espaço para o questionamento ao estilo que Ben impõe à sua família e ao próprio personagem, pois a expressão de liberdade do afastamento das amarras sociais está incrustada em uma forma de abuso no isolamento.

E Viggo Mortensen, indicado de maneira justa ao Globo de Ouro pelo papel, consegue imprimir essa ambiguidade ao protagonista, mesmo quando ele, em uma metamorfose ambulante, decide seguir outro caminho e abandonar velhas opiniões, mas não seus princípios e ideais. É quando o próprio filme parece estar se perdendo no último ato e algumas viradas vêm para recuperar o ritmo e fazê-lo encontrar uma terceira via em que o fantástico, mas ilusório, se aproxima do ordinário e de seu encanto escondido na aparência do cotidiano.

 

Capitão Fantástico (Captain Fantastic, 2016)

Duração: 118 min | Classificação: 14 anos

Direção e roteiro: Matt Ross

Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso, Kathryn Hahn, Steve Zahn, Frank Langella (veja + no IMDb)

Distribuição: Universal

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