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  • Foto do escritorNayara Reynaud

DOLITTLE | Uma receita ineficaz

Atualizado: 3 de ago. de 2021


Robert Downey Jr. e Harry Collett em cena do filme Dolittle (2020), de Stephen Gaghan | Foto: Divulgação (Universal)

O tempo passa e já faz duas décadas que o público foi apresentado à encarnação mais cômica do Doutor Dolittle, personagem criado pelo escritor inglês Hugh Lofting, inicialmente como uma distração dos horrores da I Guerra Mundial nas cartas que escrevia para seus filhos, direto das trincheiras. A partir do momento em que, tanto os direitos autorais de suas primeiras histórias caíram em domínio público quanto a figura de Eddie Murphy na pele do médico capaz de falar com animais na comédia familiar Dr. Dolittle (1998) e sua sequência de 2001 não é mais reconhecível às novas gerações, a ideia de leva-lo novamente às telas do cinema não escapou da mente dos executivos de Hollywood e foi concretizada pela Universal em Dolittle (2020). O filme de Stephen Gaghan, porém, deixa o cenário contemporâneo da franquia anterior – que foi prolongada com continuações protagonizadas pela filha do excêntrico veterinário, interpretada por Kyla Pratt – para embarcar na fantasia com animais em CGI no retorno à era Vitoriana, assim como os textos originais e a primeira adaptação cinematográfica, o musical O Fabuloso Doutor Dolittle (1967).

Uma simpática animação em 2D, então, apresenta este “novo” Dolittle para a plateia, explicando seus prodígios passados e o motivo de sua atual clausura: o luto pela morte da sua mulher e companheira de aventuras, Lily Dolittle (Kasia Smutniak), em um naufrágio. Logo surge Robert Downey Jr. com um sotaque galês como o recluso doutor em seu santuário animal no interior do Reino Unido, isolado do contato humano até que os infantes Tommy Stubbins (Harry Collett) e Lady Rose (Carmel Laniado) atrapalham o seu sossego. O primeiro com um esquilo ferido em mãos e a ânsia de aprender tudo sobre seu dom e a segunda com o pedido de socorro da Rainha Vitória (Jessie Buckley, desperdiçada neste papel), cuja doença misteriosa que a abate pode pôr em risco a estabilidade de seu refúgio, obrigando-o a se aventurar mundo afora.

No entanto, se há uma comovente e identificável história de fundo para o protagonista, por que o público não consegue se envolver com ele? O roteiro de Gaghan em conjunto com Dan Gregor e Doug Mand, de Como Eu Conheci Sua Mãe / How I Met Your Mother (2005-14), reescrito por Chris McKay, diretor de Lego Batman: O Filme (2017), depois de mal sucedidos testes de audiência, até traz elementos que, em teoria, ajudariam na criação de empatia, seja com as apagadas figuras infanto-juvenis e a tentativa de uma relação mestre-aprendiz ou na mensagem bonita, mas parcialmente desenvolvida, que se transmite através dos animais que também precisam lidar com suas questões psicológicas, mais do que males físicos. Contudo, talvez, o próprio filme sofra de certa crise de identidade que é crucial para seu resultado final.

Com uma trama não tão Original quanto dita a música-tema de Sia, a produção ousa uma excentricidade que não soa genuína. Jogando longe da doçura das várias versões live action da concorrência, há momentos que o filme arrisca emular o estilo de Desventuras em Série (2004), especialmente na caracterização de Michael Sheen como um invejoso ex-colega de faculdade de Dolittle, o Dr. Blair Müdfly. Porém, sem nunca alcançar o tom fabular irônico e a sagacidade do longa igualmente ambientado na era Vitoriana, resta um humor pueril e irregular, incapaz de aproveitar o talento do grande elenco de vozes que tem à disposição dando vida aos animais, com Emma Thompson como a sábia arara Poly, Rami Malek como o medroso gorila Chee-Chee, John Cena como o urso Yoshi que não gosta de frio, Kumail Nanjiani como o ansioso avestruz Plimpton, além de Octavia Spencer, Tom Holland, Craig Robinson, Ralph Fiennes, Selena Gomez, Marion Cotillard, Frances de la Tour e Jason Mantzoukas completando o time.

Gaghan e Downey Jr. apostam em uma estilização moderna de um ambiente de época, no modo já experimentado pelo próprio ator na duologia Sherlock Holmes (2009/11), com maior êxito por parte de Guy Ritchie do que encontrado aqui. Ou o diretor de Syriana – A Indústria do Petróleo (2005) e roteirista ganhador do Oscar por Traffic: Ninguém Sai Limpo (2000) não se adaptou ao surpreendente desafio ou não foi capaz de desenvolver toda a sua visão, já que refilmagens foram realizadas sob a supervisão de Jonathan Liebesman, responsável por As Tartarugas Ninja (2014). O fato é que opta-se por uma direção com muitos planos próximos e cortes rápidos que minam justamente o trabalho dos efeitos especiais e a conexão com os personagens.

Indo do Palácio de Buckingham aos sete mares – inclua-se aqui, o excerto da trilha sonora de Danny Elfman ecoando nos créditos acordes semelhantes aos de Piratas do Caribe –, o filme navega sem um rumo certo. Não que isso irrite completamente o espectador, já que a parte infantil da plateia deve se satisfazer com o entretenimento entregue. Mas vai se tornando frustrante ver Dolittle ir à deriva ao longo de sua perdida narrativa, ainda mais quando este doutor tem potencial para receitar remédios mais eficientes ao público.

 

Dolittle (Dolittle, 2020)

Duração: 101 min | Classificação: 10 anos

Direção: Stephen Gaghan

Roteiro: Stephen Gaghan, Dan Gregor, Doug Mand e Chris McKay, com argumento de Thomas Shepherd e baseado no personagem criado por Hugh Lofting

Elenco: Robert Downey Jr., Antonio Banderas, Michael Sheen, Jim Broadbent, Jessie Buckley, Harry Collett, Carmel Laniado, Kasia Smutniak, Ralph Ineson e vozes originais de Emma Thompson, Rami Malek, John Cena, Kumail Nanjiani, Octavia Spencer, Tom Holland, Craig Robinson, Ralph Fiennes, Selena Gomez, Marion Cotillard, Frances de la Tour e Jason Mantzoukas (veja + no IMDb)

Distribuição: Universal Pictures

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