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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2019 | Dia 3 – Dilemas morais e éticos

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Cobertura do 3º dia da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com crítica do filme alemão Mente Perversa / Head Burst (2019) e outros.

 

(Kopfplatzen, 2019)

Max Riemelt em cena do filme alemão Mente Perversa / Head Burst (Kopfplatzen, 2019) | Foto: Divulgação (ABMIC)

Se o espectador já não sabe previamente o conteúdo de Mente Perversa / Head Burst (2019), o filme do alemão Savas Ceviz não faz questão de esclarecer logo no início o que aflige o bonito e quieto arquiteto Markus. Interpretado por um Max Riemelt em boa performance – o ator é mais conhecido pela série Sense 8 (2015-18) e pelo longa A Onda (2008) –, o protagonista é apresentado ao público se masturbando na primeira cena, mas a abertura não revela o conteúdo pornográfico que o excita nem o porquê do seu choro posterior. Ainda nesses minutos iniciais, os olhares e o isolamento deste personagem deixam a questão em aberto, mas não tarda à narrativa esclarecer à plateia de que ela acompanhará a vida e, especialmente, essa mente perturbada de um homem com predisposição à pedofilia.

Tratando-se de um tema delicado por si só, a simples abordagem dele gera um potencial polêmico que não deixa de atingir o segundo longa de Ceviz na direção, o primeiro ficcional do produtor-executivo com larga experiência na TV. A obra traz um olhar inédito para o assunto, levando à compreensão sobre o transtorno psiquiátrico como uma condição inata e incurável para o indivíduo diagnosticado como pedófilo. Tanto que o roteiro de Savas tenta delimitar de modo bem claro o embate de Markus entre o seu desejo incontrolável e a necessidade e responsabilidade dele por suas ações, estas sim, controláveis.

No entanto, ao mergulhar no ponto de vista dele, o diretor abusa de closes carregados de erotismo em partes das crianças “observadas” pelo personagem, que acabam por incorrer na exposição e na própria sexualização indevida infantil a qual discorre. O filme, então, fica preso no mesmo dilema de seu protagonista: como viver se seus desejos são, além de proibidos, imorais e você é uma ameaça constante aos outros? Se Ceviz evita os julgamentos anteriormente, ao final, o cineasta prefere a condenação mais vil e simplista possível para uma questão tão complexa e pertinente.

 

Duração: 99 min | Classificação: 18 anos

Direção: Savas Ceviz

Roteiro: Savas Ceviz

Elenco: Max Riemelt, Oskar Netzel, Isabell Gerschke e Luise Heyer (veja + no IMDb)

Produção: Alemanha

> Reserva Cultural 1 – 19/10/2019, sábado às 18h10

> MIS / Museu da Imagem e do Som – 24/10/2019, quinta às 19h30

> Circuito Spcine Paulo Emílio / CCSP – 26/10/2019, sábado às 15h

 

(Papicha, 2019)

Exibido na mostra Un Certain Regard do último Festival de Cannes, o primeiro longa da argelina Mounia Meddour tem uma dose autobiográfica de como foi a sua juventude e de tantas outras mulheres no seu país natal, duas décadas atrás. A então garota que era uma universitária no final dos anos 90 tal qual sua protagonista Nedjma (Lyna Khoudri), precisou mudar com a família para a França, aos 18 anos, já que a repressão e ameaças de morte aos intelectuais – seu pai era um cineasta – se intensificou durante a Guerra Civil da Argélia, que durou de 1991 a 2002, embora os conflitos não tenham cessado totalmente na região. Apesar da diretora colocar o dedo em uma ferida que sua nação prefere esconder, Papicha (2019) foi escolhido para ser o representante argelino para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar.

O potencial da produção está em como uma história tão particularmente regional se comunica com as vivências femininas universais, apesar das diferenças em seus dramas semelhantes. Os grupos rebeldes islâmicos apoiados no fundamentalismo e com apoio de parte da população insatisfeita com o governo desejam impor as rígidas leis da sharia que confrontam justamente a liberdade que Nedjma e suas colegas de faculdade buscam ao procurarem ali o estudo e uma vida fora da casa dos pais. A estudante ainda soa mais rebelde neste ambiente conservador por fugir junto com sua melhor amiga Wassila (Shirine Boutella), de vez em quando do campus, para vender os vestidos que cria, ou indiretamente pelo seu sentimento contrário à juventude da época de querer fugir do conflito, ao não desejar uma vida melhor apenas para si, mas fazer uma vida melhor em seu país.

A tentativa de indiferença ao que está ao seu redor, porém, é atrapalhada constantemente por esta pressão exterior, que se manifesta desde a primeira sequência no táxi. A tensão é sempre iminente e, gradualmente, se torna crescente com a fisicalidade dos símbolos por Meddour no microcosmo da universidade, indo desde os cartazes intimidatórios aos muros repressores. Conforme a própria diretora afirma, seu roteiro comprime a evolução de uma repressão que levou anos em apenas algumas semanas, o que potencializa alguns clichês da narrativa, embora, nem por isso sejam menos verdadeiros para a representação deste contexto.

A direção da cineasta argelina vai da sensibilidade e potência da cena da tragédia familiar que marca a protagonista à drenagem dessa eficiência em um flashback desnecessário que ao invés de reforçar, mina a emoção imediata ao ponto crítico do clímax. No entanto, essa derrapada final não tira a marca criada por Mounia ao filmar, com uma intimidade ímpar nos planos fechados, o cuidado dessas mulheres com o corpo das outras, esteja ele vivo ou morto, se opondo à tentativa dos fundamentalistas de cobri-los ao impor o hijab, conhecido popularmente aqui como burca. E nenhuma diferença para o nosso cenário, onde a culpa é transferida a Ela pelas abordagens insistentes e machistas que Eles fazem, sintetizadas no “elogio” à garota bonita que dá nome à produção e que Nedjma escuta direto ao andar na rua.

Por isso, o melhor caminho tomado pela roteirista em sua obra é pegar justamente a moda como forma de resistência direta a este pensamento conservador. Não só a liberdade feminina de se vestir como quiser funciona como uma transgressão, mas também a relação que a protagonista estabelece com seus esboços e tecidos é colocada como uma reação imediata à violência em seu entorno. Contudo, tal qual o belo e trágico filme turco Cinco Graças (2015), a amizade e sentimento de irmandade que emana entre essas mulheres de diferentes idades e origens, mesmo em um ambiente cada vez mais sufocante a elas, é a melhor resposta que Papicha poderia dar a tudo isso.

 

Duração: 106 min | Classificação: 16 anos

Direção: Mounia Meddour

Roteiro: Mounia Meddour

Elenco: Lyna Khoudri, Shirine Boutella, Amira Hilda Douaouda, Yasin Houicha, Zahra Manel Doumandji, Marwan Zeghbib, Aida Ghechoud, Meriem Medjkrane, Samir El Hakim, Amine Mentseur, Khaled Benaïssa e Abderrahmane Boudia (veja + no IMDb)

Produção: França, Argélia, Bélgica e Catar

Distribuição: Pandora Filmes

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 19/10/2019, sábado às 19h20

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 22/10/2019, terça às 17h30

> Espaço Itaú Augusta 1 – 26/10/2019, sábado às 14h00

> Cinesala – 28/10/2019, segunda às 19h45

 

(Honeyland, 2019)

O equilíbrio das relações humanas com seus iguais e com o meio ambiente tal qual a sua fragilidade iminente movem o retrato intimista e universal de Honeyland (2019), filme que é o candidato da Macedônia do Norte na disputa por uma vaga no Oscar. Em seu primeiro longa, a dupla Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska conquistou nada menos do que o Grande Prêmio do Júri da seção World Cinema de documentários no Festival de Sundance. A produção também recebeu outra menção especial do júri pelo seu impacto e foi agraciada pela fotografia de Fejmi Daut e Samir Ljuma, que mergulha no cotidiano da solitária apicultora Hatidze Muratova, desde a busca dela por colmeias nas montanhas da bela paisagem dos Balcãs captada por suas lentes.

Os diretores passaram três anos filmando esta mulher que pratica uma cultura e criação de abelhas de modo tradicional no interior macedônio, sob o lema de pegar apenas a metade do mel a fim de preservar o resto para os animais e continuar colhendo no futuro, indo ocasionalmente vender o seu produto natural na capital Escópia (Skopje). Se ela cuida das colmeias sem medo, algumas ferroadas surgem na relação, por vezes, conflituosa e, em outras, amorosa com sua mãe Nazife, que se encontra acamada e quase cega aos 85 anos. Sua pacata rotina, porém, é afetada pela chegada de uma numerosa e barulhenta família turca – ela tem a mesma origem, como boa parte da comunidade local – que se instala ao seu lado, embora Hatidze se afeiçoe logo ao casal Hussein e Ljutvie Sam e, especialmente, aos seus filhos.

Mas é a partir de, então, que o documentário observacional ganha uma narrativa de contornos mais ficcionais na dinâmica que se estabelece entre sua protagonista e seus vizinhos. Hussein passa a copiá-la e a experiente apicultora até tenta ensiná-lo sobre o cultivo, mas se estabelece ali um parasitismo predatório que destrói a natureza, seja a do meio ambiente ou a humana, que antes havia ali. Mais do que opor o modo sustentável dela frente ao exploratório dos recém-chegados, existe uma ruptura do senso de coletividade tão bem exemplificado pela vida das próprias abelhas em um paralelo bem pontuado pela montagem de Atanas Georgiev.

De qualquer maneira, por mais que seja fácil criar antipatia por Hussein e sua prole, Stefanov e Kotevska evitam a sua vilanização. O desconhecimento daquele pai de família é latente e, sem saber o que está fazendo – vide as crianças expostas às picadas –, quem o guia é a necessidade somada à ganância externa do comprador para um caminho (auto)destrutivo. Trata-se de um estudo de um microcosmo que amplifica problemas macro, como os de diversos apicultores no Brasil, por exemplo, que sofrem com os agrotóxicos utilizados na agricultura matando consideravelmente a população de abelhas, prejudicando não só o seu trabalho, mas a manutenção dos ecossistemas. No entanto, a intimidade conquistada pelos cineastas e transmitida através do filme é mais elucidativa do qualquer exposição didática sobre o tema.

Essa sensação é obtida através da observação, no estilo “mosca na parede” do cinema direto de Grey Gardens (1975). Contudo, a dupla, já ciente que o público percebe a ficcionalização natural dos personagens sob o efeito de uma câmera, tem o desejo declarado de borrar esses limites, como fica evidente em elementos como a recorrência de You Are So Beautiful no rádio. O efeito dessa combinação é a empatia do público pela jornada da heroína solitária em questão, mais ainda quando Hatidze passa a reavaliar a sua própria vida no terceiro ato, sem perder sua essência e ética.

 

Duração: 85 min | Classificação: 12 anos

Direção: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska

Roteiro: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska

Elenco: Hatidze Muratova, Nazife Muratova, Hussein Sam e Ljutvie Sam (veja + no IMDb)

Produção: Macedônia do Norte

> Cinearte 1 – 19/10/2019, sábado às 14h30

> Cinesala – 21/10/2019, segunda às 17h45

> CineSesc – 23/10/2019, quarta às 22h15

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 26/10/2019, sábado às 20h15

 

(Los Días de la Ballena, 2019)

A arte surge como protesto contra a violência em Os Dias da Baleia (2019), apesar do retrato de um romance juvenil no primeiro longa da colombiana Catalina Arroyave Restrepo. A diretora e roteirista ganhou uma menção especial do júri no prêmio dedicado a filmes de estreia de cineastas mulheres no South by Southwest (SXSW) por este trabalho cuja inconstância da constante câmera na mão demonstra desde o início que o ambiente não é totalmente favorável para os jovens grafiteiros Cristina (Laura Tobón) e Simon (David Escallón). Ambientada em Medellín, a produção tem na trilha sonora o registro de um lugar que hoje é celeiro de astros do reggaeton que alcançaram o sucesso mundial, como Maluma e J Balvin, mas carrega na história o passado de uma cidade que ainda não se livrou de todas as cicatrizes das disputas entre os cartéis de drogas, especialmente nos anos 1980.

Essa marca já está na situação familiar de Cristina, que foi morar com o pai e a namorada dele, porque sua mãe jornalista saiu da Colômbia depois de ameaças de morte por conta de suas reportagens. Se ela deseja que a filha também vá para Cuba e lhe faça companhia lá, a universitária de classe média não quer deixar a sua vida em Medellín, onde dedica boa parte do seu tempo no projeto que ensina grafite a jovens de um bairro periférico e, à noite, sai para grafitar pela cidade com Simon, um amigo com quem se envolve amorosamente. Há uma clara diferença de classes sociais entre a moça e o rapaz morador dessa região violenta, mas ambos são ameaçados de formas diferentes ao longo da trama, enquanto desafiam a facção local com sua arte.

A resposta deles e de Catalina vem na forma da baleia do título. O animal surge em passagens de tempo metafóricas que a cineasta utiliza, como se ele fosse um gigante invisível perdido e engolido pela cidade, tal qual as vítimas de uma violência ainda presente em Medellín, mas que é escamoteada dos debates públicos atuais que querem acreditar que aquilo ficou no passado. Mas é no revide do spray dos protagonistas, com o grafite de Cristina e Simon que cobre a ameaça dos criminosos, onde a baleia se torna um símbolo de liberdade, ainda que utópica, em meio à dura realidade que os cerca, bem delimitada, mas nunca alcançada de fato pela realizadora.

 

Duração: 77 min | Classificação: 10 anos

Direção: Catalina Arroyave Restrepo

Roteiro: Catalina Arroyave Restrepo

Elenco: Laura Tobón, David Escallón, Julián Girlado, Carlos Fonnegra e Christian Tappan (veja + no IMDb)

Produção: Colômbia

> Cinearte 2 – 19/10/2019, sábado às 21h50

> Espaço Itaú Frei Caneca 5 – 22/10/2019, terça às 13h30

> Circuito Spcine Lima Barreto / CCSP – 26/10/2019, sábado às 15h

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