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  • Foto do escritorNayara Reynaud

O MAL NÃO ESPERA A NOITE – MIDSOMMAR | Rituais vazios

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Jack Reynor e Florence Pugh em cena do filme O Mal Não Espera a Noite – Midsommar (2019) | Foto: Divulgação (Paris Filmes)

Uma coisa não se pode dizer de Ari Aster: que seus filmes passem em branco pelo público. O segundo e novo longa do cineasta, O Mal Não Espera a Noite – Midsommar (2019), é mais um exemplo de um trabalho dele que, não importa se o espectador goste ou não, o leva à reflexão e/ou discussão. Isso é algo louvável em qualquer artista, mas em seu recente terror folclórico fica mais perceptível como, durante a experiência fílmica, sobra estilo e ambientação em sua obra, mas falta narrativa.

Na realidade, sendo mais uma trama de mistério do que um horror propriamente dito, Midsommar resgata os rituais pagãos europeus, remetendo ao clássico britânico O Homem de Palha (1973), de Robin Hardy. Acumulam-se, igualmente, referências diversas, indo de símbolos kubrickianos ao surrealismo medieval do pintor Hieronymus Bosch, além de algumas marcas próprias ainda que seja um trabalho de Aster bem diferente dos anteriores. Isso também na superfície de sua trama quanto na estética bem diferenciada de seu primeiro longa, o soturno Hereditário (2018), ao buscar com seu parceiro Pawel Pogorzelski uma fotografia solar que diferencia a produção de tantos títulos do gênero.

Um angustiante prólogo, porém, acontece em um sombrio inverno norte-americano, quando se desenvolve todo o drama da protagonista Dani (Florence Pugh), uma jovem atingida por uma tragédia familiar e cuja relação com o namorado Christian (Jack Reynor) – nome sugestivo, por sinal – se encontra em crise. Ele hesita tanto em sair quanto em tentar salvar este relacionamento, mas decide leva-la, à revelia de seus amigos, para uma viagem que o rapaz, Josh (William Jackson Harper) e Mark (Will Poulter) planejavam fazer com destino ao lugarejo no norte da Suécia – embora as filmagens tenham acontecido na Hungria – onde o colega Pelle (Vilhelm Blomgren) cresceu. Se no país escandinavo existe uma tradicional e anual comemoração para o solstício de verão, naquela comunidade isolada, ocorre um Midsommar Festival especial a cada 90 anos.

Essa condição do dia que nunca anoitece durante os verões em regiões do Ártico já rendeu suspenses como o do thriller psicológico Insônia (2002), de Christopher Nolan, mas aqui ele é o elemento menos perturbador desta bad trip do quinteto. A estação serve mais como uma metáfora dos sentimentos hibernados durante o inverno saindo à luz do Sol, bem como uma longa alegoria de quase duas horas e meia sobre o declínio de uma relação até a libertação de uma das partes da outra que a sufoca. Ao longa da narrativa, também são pinceladas ideias como a noção de comunidade acima da individualidade, seja com os valores ocidentais estampados na competição dos colegas pelo doutorado de Antropologia acerca dos rituais locais ou nestes próprios que exigem algum sacrifício de seus participantes, tanto quanto Aster entrega mais uma vez suas figuras masculinas em holocausto.

Repetição, aliás, é o que se vê em alguns maneirismos do cineasta, desde sua obsessão com cabeças e violência gráfica ao costume de entregar desde o início os elementos-chave da sua história ou do seu clímax. “Não vamos falar do urso na jaula?”, pergunta um personagem como uma piada peculiar, tanto quanto o humor do realizador, relativa à conversa anterior bem embaraçosa, mas o animal se torna um elemento narrativo no final, por exemplo. Além disso, um grande bordado contando toda a trama abre o filme, embora o espectador não tenha tempo de compreender tudo, já indicando que, talvez, Ari não se importe com o conteúdo da sua narrativa, mas nas formas mais ambiciosas de conta-la.

O diretor se aproveita do belo cenário e tema para, em conjunto com Pogorzelski na fotografia e a equipe de efeitos visuais, sequências impressionantes de alucinação ou das flores “respirando”, como se a vida soprasse a partir de então em Dani, tal qual Florence Pugh tenta manter a densidade da protagonista ao longo do filme. Uma tarefa difícil já que o roteirista se prende tanto aos rituais pagãos que se esquece de desenvolver aqueles que participam deles, contando demais com a anuência dos turistas norte-americanos sobre o que está acontecendo e do público na suspensão de descrença acerca de tamanha inocência. Tomando como exemplo outra jovem voz do horror contemporâneo e que também flerta com o humor nele, Jordan Peele sabe que o envolvimento do espectador com os personagens é essencial para a construção do terror, algo que Aster ignora mais solenemente em Midsommar do que antes.

 

O Mal Não Espera a Noite – Midsommar (Midsommar, 2019)

Duração: 147 min | Classificação: 18 anos

Direção: Ari Aster

Roteiro: Ari Aster

Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Vilhelm Blomgren, William Jackson Harper, Will Poulter, Ellora Torchia, Archie Madekwe, Henrik Norlén, Gunnel Fred, Isabelle Grill, Agnes Westerlund Rase, Julia Ragnarsson, Mats Blomgren e Lars Väringer (veja + no IMDb)

Distribuição: Paris Filmes

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