Nayara Reynaud
AMAZÔNIA GROOVE | Uma viagem sonora
Atualizado: 26 de fev. de 2021
Realizar um filme sobre um tema não é simplesmente abordá-lo em palavras, mas mergulhar e fazer transparecer, através da narrativa e estética adotadas, o objeto em questão, especialmente quando se trata de uma arte. Essa necessidade, já abordada aqui algumas vezes, seja em textos sobre produções documentais ou ficcionais, é costumeiramente deixada de lado pelos realizadores, o que faz saltar aos olhos aquelas exceções como Amazônia Groove (2018). E o caminho tomado pelo cineasta Bruno Murtinho para obter isso em seu documentário sobre a música amazônica é justamente provocar uma imersão regional no público, levando-o para este ambiente capaz de produzir tamanha pluralidade sonora.
A introdução nessa atmosfera já é imediata com o plano-sequência de abertura jogando o espectador dentro da Floresta Amazônica. Este, sob o olhar da lente de Jacques Cheuiche, que recebeu o prêmio de Melhor Fotografia no festival norte-americano South by Southwest (SXSW), viaja tranquilamente em um barco no Rio Amazonas. O canto religioso vai aumentando no elaborado desenho de som do longa, enquanto a câmera no drone o leva mais próximo da procissão fluvial, estabelecendo assim os três eixos que guiam a obra: primeiro, a música, obviamente; mas também a religiosidade, que vai dos cultos católicos às pajelanças, da crença nas lendas da região, como o boto, ao respeito à força da natureza que os cerca e que se torna o terceiro e essencial elemento aqui.
Mais que isso, o rio é o condutor da narrativa do filme, que Murtinho e seu corroteirista Daniel Castro estruturam quase como um “boat movie”. A viagem musical do longa que estreou no Festival do Rio de 2018 e abriu a 5ª Ciranda de Filmes neste ano o toma não somente como bússola, mas também reforça a ideia de que a natureza influencia os sons da região, como se as águas do Amazonas banhassem seus ribeirinhos de um fluxo de criatividade particular e único. É o tal Amazônia Groove, título retirado do álbum homônimo de Marco André, diretor musical do filme e também seu idealizador.
Contudo, o recorte se restringe à suficientemente rica mistura da música paraense, com foco no carimbó, tecnobrega, guitarrada, búfalo bumbá, sofrência e violão clássico amazônico, indo da selva ao tradicional mercado Ver-o-Peso, no centro de Belém. Para tanto, Murtinho segmenta a apresentação da trajetória e das canções de cada um de seus personagens, que vão da mais recente sensação do Pará para o Brasil e o mundo, Dona Onete, ao pescador cancioneiro Mestre Damasceno, passando também pelo DJ Waldo Squash da Gang do Eletro, a diva brega Gina Lobrista, o baixista MG Calibre, o multi-instrumentista Manoel Cordeiro, o violinista Sebastião Tapajós, o compositor Paulo André Barata e o pesquisador de sons Albery Albuquerque e seu filho. Ainda assim, muita coisa fica de fora nesse panorama eclético da cena local, seja o calipso, gênero que se tornou popular em todo o país, ou as fusões contemporâneas de rock, indie e eletrônico com as raízes regionais – a exemplo do trabalho de Jaloo e Pratagy, apresentados aqui na nossa Repescagem Musical de 2018.
Neste sentido, talvez resida o ponto mais fraco do filme: ser uma obra para iniciados. Pincelando alguns aspectos históricos, como a chegada dos espanhóis à região antes mesmo dos portugueses, mas de forma superficial, Murtinho constrói uma montagem espaçada que, por vezes, permite apenas aos conhecedores da música paraense perceberem a ligação entre a presença norte-americana na II Guerra Mundial, citada no segundo ato, e a influência caribenha, descrita no final, para confluir na guitarrada que só é tocada nos créditos finais. De qualquer modo, é impossível, tanto para os admiradores quanto aos novatos no som do Pará, resistir a esse mergulho no groove amazônico.
Amazônia Groove (2018)
Duração: 85 min | Classificação: Livre
Direção: Bruno Murtinho
Roteiro: Daniel Castro e Bruno Murtinho
Elenco: depoimentos e apresentações de Dona Onete, Manoel Cordeiro, Sebastião Tapajós, Mestre Damasceno, Paulo André Barata, Albery Albuquerque, MG Calibre, DJ Waldo Squash e Gina Lobrista (veja + no IMDb)
Distribuição: Pagu Pictures
#Cinema #AmazôniaGroove #BrunoMurtinho #cinemanacional #documentário #Música #Amazônia #Pará #carimbó #guitarrada #tecnobrega #brega #búfalobumbá #violão #DonaOnete #MestreDamasceno #DJWaldoSquash #GangdoEletro #GinaLobrista #MGCalibre #ManoelCordeiro #SebastiãoTapajós #PauloAndréBarata #AlberyAlbuquerque #SXSW #JacquesCheuiche #FestivaldoRio #5ªCirandadeFilmes #CirandadeFilmes #DanielCastro #RioAmazonas #rio #barcos #meioambiente #religião #cristianismo #IgrejaCatólica #indígena #mitologia #boto #MarcoAndré #processocriativo #colonização