top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Dia 14 – Jornadas internas

Atualizado: 17 de fev. de 2021


Mostra SP 2018 - Dia 14: Roma | O Baterista e o Goleiro | Maya | Fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Conduzindo cada espaço na tela, o mestre mexicano Alfonso Cuarón resgata seu passado em Roma, filme de encerramento desta 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que chega ao seu último dia de evento tendo o longa francês filmado na Índia, Maya, de Mia Hansen-Løve; e o irlandês O Baterista e o Goleiro como alguns dos vários destaques.

 

(Roma, 2018)

Yalitza Aparicio no filme mexicano Roma (2018), de Alfonso Cuarón | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Depois de algumas tentativas nos últimos anos, a Netflix finalmente conseguiu seu primeiro prêmio importante em um festival de cinema, com o Leão de Ouro no último Festival de Veneza indo para Roma (2018), o filme mais recente e extremamente pessoal de Alfonso Cuarón, produzido pelo serviço de streaming que busca certo status neste ramo e nas premiações cinematográficas. Embora seja louvável o investimento da empresa no cinema de arte, é uma pena, no caso específico desta obra, que apenas algumas pessoas tenham a chance de ver o espetáculo visual do cineasta mexicano na telona por enquanto, só o público da Mostra que for à cerimônia de encerramento hoje (31), a menos que se adote aqui a mesma estratégia dos Estados Unidos de lançar o longa-metragem em cinemas selecionados além de disponibilizá-lo em sua plataforma.

Isso porque somente a sala de cinema é capaz de provocar a imersão proposta pelo maestro Cuarón, que além de dirigir e roteirizar, assina a fotografia em preto e branco do filme rodado em 65mm e exibido em 4K sem contar a edição, junto com Adam Gough. A sua direção carrega uma noção e uso da espacialidade que convidam o espectador a adentrar na cena. Elementos extracampo, por vezes, entram e saem do quadro, enquanto passeia a sua câmera em tilts que alcançam panoramicamente todos os cômodos da casa que conhece tão bem ou em travellings que correm por uma Cidade do México em polvorosa no final de 1970 e início de 1971, em uma mise-en-scène que complementa ou confronta a ação central.

O trabalho muito autobiográfico é dedicado à Liboria “Libo” Rodríguez, babá e empregada que marcou a infância de Cuarón e que, na história, ganha o nome de Cleo (Yalitza Aparicio). O dia-a-dia dela e de sua patroa Sra. Sofía (Marina de Tavira) e seus quatro filhos numa casa no bairro de Roma, na Cidade do México, no qual ambas as partes passam por grandes transformações neste período, é acompanhado com um olhar amadurecido pelo diretor acerca de seu próprio passado. Assim como Que Horas Ela Volta? (2015), a complexa relação patrão-empregada(o) é latente aqui, com a funcionária de origem indígena sendo uma pessoa "quase da família", não por acaso branca, até que a dinâmica de subserviência venha à tona.

Os aviões que passam direto pelos céus do bairro marcam essa transição pela qual passam os personagens, além de representar essa imagem do pai/patrão sempre "em viagem". A chegada do Sr. Antonio (Fernando Grediaga), aliás, é pontuada por uma tensão em planos fechados, que lhe dá um ar poderoso e, porque não, vilanesco desde o início, enquanto a aparente virilidade do namorado de Cleo, o praticante de artes marciais Fermín (Jorge Antonio Guerrero), se transforma em violência de modo mais gradual. Ambas as figuras masculinas são tóxicas para a protagonista e a coadjuvante, que se encontram sozinhas, como fala a Sra. Sofía, quando estes homens fogem de suas responsabilidades. Há, inclusive, uma interessante ambiguidade na narrativa que, particularmente, me faz pensar sobre como era de fato a relação deste patrão com a empregada e sua interferência em algo que acontece com ela no decorrer da trama.

Candidato do México para uma indicação na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no próximo Oscar, a produção também se destaca pela arte e outros departamentos técnicos que ambientam o público, desde o afiador passando na rua e a agitação do centro da cidade ao vislumbre da TV local e cinema da época. O furor nas ruas com manifestações de estudantes e a repressão de milícias do governo não serve apenas de contexto e acaba ganhando proporções maiores no último ato do longa. No entanto, em uma história fundamentada em discutir questões de classe e raciais, é a maternidade e os laços familiares que se tornam a alma desta obra.

> Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer – 31/10/2018 às 19h30 (Filme de Encerramento)

 

(Maya, 2018)

Aarshi Banerjee e Roman Kolinka em cena do filme francês Maya (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Apesar do nome Maya (2018), é a outra ponta deste romance paciente de Mia Hansen-Løve que protagoniza o novo filme da atriz e diretora francesa. Desde a abertura revelando o corpo magro, nu e machucado de Gabriel (Roman Kolinka) saindo do banho, o interesse do longa está em desvendar silenciosamente o que se passa na cabeça do repórter de guerra que retorna à França após ser sequestrado e mantido em cárcere privado por terroristas do Estado Islâmico na Síria. Explicando a situação através da recepção em seu retorno, ambientado em 2012, o prólogo apresenta como ele está lidando com o trauma: fugindo do assédio em cima dele e do amigo sobrevivente (Alex Descas), sentindo culpa pelo colega que permaneceu no cativeiro e se recusando a se vitimizar.

É então que ele resolve esvaziar a sua mente partindo para a Índia, especificamente a região de Goa, onde morou durante a infância com a sua mãe (Johanna Ter Steege) – com quem tem uma complicada relação hoje em dia – por causa do pai diplomata. Ao chegar lá, o rapaz procura o padrinho Monty (Pathy Aiyar), dono de um hotel que enfrenta uma crise e também pai da jovem Maya (Aarshi Banerjee) do título. A menina serve de guia turística do jornalista para essa nova Goa, em um texto muitas vezes didático sobre a história e os problemas atuais do local.

Um deles é a grande especulação imobiliária na região que bate à porta da casa de Gabriel, em uma pressão que pode fazer o espectador daqui recordar de Aquarius (2016), mas sem tomar de fato esse caminho, apesar de destacá-lo pontualmente. O que está à frente é a construção vagarosa deste casal, que não tem apenas a diferença de idade e os costumes locais como empecilhos, mas sim a própria dificuldade de Gabriel se abrir à Maya. A dinâmica parece interessante no papel, porém, Mia não consegue aproximar o espectador da história e de seus protagonistas.

> Espaço Itaú Augusta 1 – 31/10/2018 às 17h40

 

(The Drummer and the Keeper, 2017)

Dermot Murphy e Jacob McCarthy em ceno do filme irlandês O Baterista e o Goleiro (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Vocalista e líder da banda de rock irlandesa The Fat Lady Sings, que iniciou sua atividade na segunda metade dos anos 1980 e seu auge na década de 1990, o músico Nick Kelly se tornou diretor de comerciais, curtas e agora realiza seu primeiro longa, O Baterista e o Goleiro (2018). Como o título revela, o seu background musical é utilizado para um dos dois solitários personagens principais, mas, a bem da verdade, existe menos música do que era de se esperar. O que há mais é a dita atitude rock’n’roll sendo problematizada através do baterista Gabriel (Dermot Murphy) que já é apresentado ao público com sua piromania em ação e o seu comportamento sendo questionado pela irmã e os colegas de sua banda em busca de ascensão.

Sendo obrigado por eles a procurar tratamento, os caminhos do roteiro convenientemente o levam a conhecer o goleiro Christopher (Jacob McCarthy), um adolescente com Síndrome de Asperger, prestes a chegar à maioridade e que mora em uma casa de apoio. Imbuindo o personagem com as características da síndrome pertencente ao espectro autista, como a rejeição ao toque e o interesse específico sobre goleiros e Lego, Kelly estabelece o filme através da relação de opostos do rapaz com a impulsividade e falta de controle de um bipolar e adicto e a necessidade por controle de alguém com Asperger, em que um apresenta um novo mundo ao outro e se complementam através das diferenças. A dramédia irlandesa, contudo, força um pouco no desenrolar de sua trama e, particularmente, o seu desfecho, mas tem o sabor leve e tocante de uma sessão vespertina.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 31/10/2018 às 16h00

 

(Kaotični Život Nade Kadić, 2018)

Exibido no Festival de Berlim, a coprodução entre México e Bósnia-Herzegovina chamada A Caótica Vida de Nada Kadic (2018) marca a estreia da diretora mexicana Marta Hernaiz Pidal em longas. Com um roteiro escrito em conjunto com a atriz principal Aida Hadžibegović, o seu début se destaca pelo estilo documental que emprega ao retratar o cotidiano desta mãe solteira com sua filha autista Hava, interpretada pela pequena Hava Đombić, realmente uma menina que tem autismo. Isso porque a personagem do filme, por ser muito pequena, não recebeu um diagnóstico final dos médicos, o que dificulta a vida de Nada Kadic em conseguir o tratamento adequado para a garota.

A burocracia bósnia neste quesito, aliás, tem papel importante na trama, que assim como outras produções de países vizinhos, retratam os Balcãs como uma região ainda presa ao passado, com nações em uma eterna fase de transição, a exemplo do que pontua o macedônio O Ingrediente Secreto (2017), que as mantém atrasadas. Neste sentido, a omissão do Estado em dar a ajuda que lhes é de direito, e de outras instâncias como a creche, contrasta com a intromissão de pessoas alheias na educação que deve dar à filha, sem compreender sua situação. Caótica em sua simplicidade retratada por Hernaiz Pidal, que foge de um roteiro mirabolante que injete ainda mais caos na vida da protagonista, embora perca em ritmo, a vida de Nada Kadic gera uma agonia no espectador, não só nos momentos ruidosos, que traduzem a percepção dos autistas aos estímulos externos, mas especialmente nos silêncios figurativos que demonstram que mãe e filha só têm uma a outra neste mundo verdadeiramente caótico.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 15h30

 

(Chica Noc, 2017)

Outro exemplar da excelente safra de filmes poloneses presentes na seleção desta Mostra, que conta com os marcantes Guerra Fria (2018) e Fuga (2018) –, Noite Silenciosa (2017) poderia muito bem ser um filme natalino hollywoodiano, em que uma família se reúne para a ocasião e as coisas dão errado. No entanto, uma produção norte-americana seria incapaz de adentrar e compreender uma peculiaridade do primeiro longa de Piotr Domalewski. O fato de quase todos os homens do clã retratado, assim como tantos outros no país, precisarem ir ao exterior para conseguir trabalho e sustentar a família que permaneceu marca um comentário regional sobre a emigração na Polônia, assim como serve de motor para as implicações disso na dinâmica familiar na tela.

O jovem cineasta se apropria, sem copiar, do estilo e humor negro desse cinema neorrealista do Leste Europeu, especialmente da Nouvelle Vague Romena, de quem a obra guarda muitas similiaridades com Sieranevada (2016). Bem mais curto em sua duração que o longa de Cristi Puiu, a narrativa que vai crescendo aos poucos – na história polonesa, particularmente do segundo ato para frente, com a ceia que aqui se realiza de fato –, conjuntamente com a sensação de claustrofobia dentro daquele ambiente familiar. Domalewski, porém, tem sua própria visão do assunto e a apresenta desde o primeiro quadro, quando a imagem da câmera digital do protagonista abre a produção: o ecrã como intermediário já aponta a representação como o ingrediente deste jantar em família, diferenciando aquilo que se deseja mostrar aos parentes e o que realmente se sente.

O dispositivo é empunhado várias vezes por Adam (Dawid Ogrodnik), porque o rapaz que retorna da Holanda para passar com o Natal no interior da Polônia, com os pais, irmãos, avô, tias e primos, deseja guardar os vídeos como lembrança para sua descendência. A namorada que deixou no país está grávida e ele deseja, embora tenha dificuldades para conversar sobre isso e outros assuntos com seus familiares, acertar tudo para começar a vida de vez fora dali. Como o público já pode esperar, os planos dele não saem como imaginado e a noite, que nada tem de silenciosa, surpreende ao abordar, além dessas questões socioeconômicas pertinentes aos polacos e nações na mesma situação e essa figura paterna distante, alcoolismo, violência doméstica contra a mulher e até maconha, mas tendo as complicações amorosos como a pimenta desta receita típica.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 31/10/2018 às 22h00

 

(La Quietud, 2018)

Continuando com sua predileção por dinâmicas familiares, Pablo Trapero, diretor de O Clã (2015) e Família Rodante (2004), põe sua lente sobre os abastados Montemayor, em seu último filme La Quietud (2018). O título do longa exibido no Festival de Veneza diz respeito ao rancho de mesmo nome da família em questão, onde se passa a maior parte da trama e que desenrola de maneira paralela questões sobre a origem desta propriedade. No entanto, o nome da produção também sublinha, de forma irônica, a aparente tranquilidade que esconde segredos escusos neste núcleo familiar de classe alta.

O ataque súbito que acomete o pai Augusto (Isidoro Tolcachir), de quem a caçula e solteira Mia (Martina Gusman) é muito próxima, traz a filha mais velha Eugenia (Bérénice Bejo), diretamente de Paris, de volta ao rancho, para a alegria da mãe Esmeralda (Graciela Borges), que a tem como a favorita. A semelhança entre as duas irmãs, que não são gêmeas, é gritante e, especialmente, desconcertante no início, quando compartilham seus desejos escondidos em uma relação fraternal muito próxima, quase incestuosa, mas também competitiva. Desse relacionamento particular às relações extraconjugais e outras revelações posteriores, dominação e repressão sexual conduzem a narrativa de várias formas, além da política argentina, em particular, resquícios da ditadura no país pontuando desdobramentos importantes.

Trapero não esconde que se trata de um grande melodrama latino mais picante, mas sua narrativa novelesca é, no mínimo, envolvente. E isso não quer dizer que o cineasta deixe à parte seu lado autoral, assinalado nos pequenos apagões que atingem a propriedade, representando a decadência dessa aristocracia argentina e também pautando o emocional dos personagens. Gusman e Bejo são hipnotizantes na pele das protagonistas, mas, a partir de certo ponto, é Graciela Borges quem rouba a cena com sua performance arrasadora como a mãe deste clã.

> CineSesc – 31/10/2018 às 20h00

 

(El Ángel, 2018)

É com o jovem protagonista dançando ao som de um rock argentino, num estilo parecido ao da nossa Jovem Guarda, mas em uma casa que ele invadiu, que Luis Ortega abre e encerra o seu novo longa, O Anjo (2018). Escolhido como o representante da Argentina na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – estatueta que já foi conquistada pelos vizinhos com O Segredo dos Seus Olhos (2009) –, a produção traz para as telas uma cinebiografia do mais jovem assassino em série da História da Argentina. O estreante no cinema Lorenzo Ferro é quem encarna o rapaz que foi apelidado pela mídia local, no início dos anos 1970, de "Anjo Negro" ou "Anjo da Morte", com sua aparência angelical de cachinhos loiros e ficha corrida demoníaca.

Tanto a música quanto o trabalho competente da direção de arte, figurino, cabelo e maquiagem promovem a ambientação da história um pouco ficcionalizada deste jovem de 17 anos, que tinha como hobbie invadir casas e roubar alguns pertences para dar de presente aos pais, namorada, amigos ou a si mesmo. Mas quando conhece e faz amizade de um jeito, no mínimo, inusitado com o colega de escola Ramón (Chino Darín), aprende a manejar uma arma com o pai dele e, juntos, começam a planejar roubos maiores e que acabam se tornando mais letais. Ortega faz questão de frisar a tensão sexual entre os parceiros de crime, frisando o interesse de Carlitos pelo cúmplice – que, na vida real era Jorge Ibáñez e também teve o mesmo destino duvidoso – a partir das dúvidas levantadas sobre a sua sexualidade na época.

Apesar das quase duas horas de filme, a duração dele não é sentida graças a sua narrativa envolvente embora convencional. Mas quando chega o desfecho, a sensação de que faltou algo é iminente. Assim como o seu protagonista que dança, a obra trata tudo como uma diversão de um jovem rebelde, sem que o público veja, de fato, a face mais demoníaca deste anjo, que tem em sua ficha criminal, por exemplo, o crime de estupro também.

> Reserva Cultural – Sala 1 – 31/10/2018 às 14h00

 

(Lean on Pete, 2017)

Há uma América diferente, aquela que não quer ser vista pelos próprios norte-americanos e que é destacada pelo olhar estrangeiro do britânico Andrew Haigh em A Rota Selvagem (2017). Presente na seleção do Festival de Toronto do ano passado, o longa mais recente do diretor de 45 Anos (2015) aproxima o seu foco dos Charleys que coexistem ao redor deles – e de nós também – e não se dá conta. O garoto do filme é vivido por Charlie Plummer – que não é parente do Christopher Plummer –, cujo tour de force que internaliza com naturalismo no protagonista é a principal qualidade e atrativo da produção.

Adaptando o romance Leon on Pete (2010) de Willy Vlautin, Haigh gasta um bom tempo contextualizando a relação de Charley com o pai (Travis Fimmel) e com o cavalo Leon on Pete, que conhece ao começar a trabalhar com Del (Steve Buscemi) que treina cavalos de corrida. Várias desventuras na primeira metade da história farão o adolescente de apenas 15 anos partir de Portland para o estado de Wyoming em busca de sua tia (Alison Elliott), com que estabeleceu algum vínculo materno durante a sua infância. O que não quer dizer que outras não ocorrem na segunda parte, quando o que parece ser um tradicional drama de cavalos se torna também um road movie e a narrativa já sofre com a longa duração do que seria um filme por si só em sua primeira hora.

A obra possui igualmente toques de um faroeste desolador, com as paisagens descampadas belamente fotografadas por Magnus Nordenhof Jønck, e especialmente um coming of age. A transformação para uma vida adulta aqui vem de maneira precoce e através do sofrimento, que vão aos poucos recrudescendo o garoto, enquanto ele luta pela sobrevivência e daqueles que ama em quase um conto de amadurecimento. No entanto, sem sempre conseguir salvá-los ou a si próprio de um mundo egoísta e mau, acumula perdas que fazem alguns espectadores se questionarem se o cineasta apenas chega perto ou ultrapassa o limite da exploração da miséria.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 19h30

 

(Boening, 2018)

O título do novo filme de Lee Chang-Dong pode sugerir algo explosivo, mas a verdade é que Em Chamas (2018) só chega a este ponto depois de uma paciente fervura em uma narrativa cuja ebulição vem gradualmente. A maneira como o cineasta sul-coreano conduz isso ao adaptar o conto Queimar Celeiros (1993), do escritor japonês Haruki Murakami, chamou a atenção dos críticos internacionais no Festival de Cannes, que lhe deram o prêmio FIPRESCI. Por tabela, lhe garantiu sua escolha como o candidato da Coreia do Sul na disputa por uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O thriller começa com o reencontro do entregador e aspirante a escritor Jongsu (Yoo Ah-In) e com a promotora de promoções de outra loja Haemi (Jun Jong-Seo). Os dois cresceram na mesma região e passam a se encontrar outras vezes, até que ela faz a sua tão sonhada viagem para a África e, na volta, traz na bagagem o bem-sucedido Ben (Steven Yeun). A tensão sexual e os ciúmes vão crescendo entre o trio, com um desaparecimento elevando isso ainda mais na segunda metade de suas duas horas e meia de duração.

Este crescente é pontuado pela trilha sonora de Mowg que inclui através de instrumentos típicos uma sonoridade oriental no suspense de suas composições. Vários elementos instigam leituras no decorrer da trama, a exemplo do gato imaginário, mas o que ganha mais destaque é o uso do sol para graduar esse “aquecimento narrativo” assim como a leitura das diferenças de classe na sociedade sul-coreana. Para coroar, o clímax arrebatador ainda entra no hall daqueles finais que se pode duvidar se ocorreu na realidade ou é fruto da imaginação do protagonista.

> Cinearte Petrobras 1 – 31/10/2018 às 14h00

 

(Pedro e Inês, 2018)

“Agora, Inês é morta!”. O ditado geralmente aplicado sobre decisões e atitudes tomadas tardiamente ou acontecimentos irreversíveis tem origem na história de nossos colonizadores, remontando ao século XIV, quando o rei Pedro I de Portugal ainda era príncipe. O rapaz se apaixonou perdidamente pela tal Inês de Castro, dama de companhia de sua esposa Constança, e manteve um caso com ela, que teve quatro filhos do futuro monarca. Quando ele fica viúvo e temem sua proximidade com a moça, o destino dela é selado de maneira trágica e o amado se vinga de modo igualmente cruel de seus algozes quando toma o trono e morbidamente coroa a morta como rainha.

Uma das lendas mais importantes da realeza de Portugal, junto com o mito de D. Sebastião, a tragédia de amor dos dois já foi levada várias vezes às páginas e telas da literatura e cinema do país e ganha uma nova versão nas mãos de António Ferreira em Pedro e Inês: O Amor Não Descansa (2018). O diretor português reimagina esta história em três tempos, com o ator de novelas locais Diogo Amaral vivendo o Pedro I da era medieval, o arquiteto Pedro Bravo no presente e o Pedro Rey, filho acuado do líder de uma comunidade quase seita em um futuro distópico que mais parece uma representação de uma época passada. Essa trinca de subtramas ainda é amarrada por mais outra nessa narrativa intercalada, com um Pedro contemporâneo sofrendo em um hospital psiquiátrico pela perda da amada Inês, que é interpretada pela atriz luso-brasileira Joana de Verona, de Praça Paris (2017) e As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado (2015), em todos os períodos.

Amaral declara belos versos em off nesse ambiente do hospício, belamente fotografado por Paulo Castilho, seja como linha utilizada para costurar a narrativa ou para bordar detalhes que o cineasta deseja colocar em relevo, mas o recurso já traz em si o contraste na repetição das mesmas imagens na montagem, como se estivesse faltando material para preencher estas sequências reflexivas. Tendo o melodrama como chave, Ferreira tropeça ao abusar da representação novelesca – que em si não teria problema, se não empregasse modelos de telenovela já ultrapassados aqui –, particularmente dos antagonistas do casal. Por fim, o filme que em sua proposta multitemporal ousada pretende falar da inevitabilidade do amor e de seu destino trágico em uma sociedade que se repete em sua repressão, acaba perdendo o fôlego daquilo que lhe é essencial e não aproxima o público desses amantes.

> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 31/10/2018 às 19h40

 

(Jose, 2018)

Um chinês que fez PhD de Biologia nos Estados Unidos e, a partir de determinado momento de sua carreira, resolveu fazer filmes, sendo o seu segundo longa rodado na Guatemala. Como afirmou em entrevista ao NERVOS, ao lado do corroteirista e produtor norte-americano George F. Roberson, o cineasta nômade Li Cheng acreditou ser urgente filmar a história de José (2018) no país da América Central para mostrar a realidade da população local e a grande homofobia presente lá. Adotando um realismo que primava pela observação e utilizando atores não profissionais – até pela questão que os profissionais não queriam se envolver com o projeto por causa de sua temática –, a produção venceu o último Leão Queer, prêmio dado ao melhor filme LGBT presente no Festival de Veneza.

O estreante Enrique Salanic vive o jovem personagem-título, que esconde ser gay, particularmente da mãe superprotetora e religiosa, que faz chantagem emocional, até de maneira inconsciente, para estar com ele por perto e prevenir que o rapaz caia “em pecado”. É aquele não-dito que cerca muitas relações entre mães e seus filhos homossexuais, com elas cientes da orientação sexual deles, mas o assunto nunca é posto à mesa, com a ambas as partes tentando evitar o inevitável. Mas é claro que isso ganha um aspecto a mais com a ênfase à forte presença das igrejas neopentecostais, em especial nas regiões mais carentes, em um fenômeno visto mais em evidência na América Latina.

O que José esconde da mãe e dos colegas de trabalho de uma lanchonete que funciona quase como um drive-thru ilegal, é que ele aproveita o final do expediente, intervalos ou dá até uma escapadinha para sair com contatos que mantém pelo celular, o seu companheiro inseparável. Até que o protagonista começa a se ater em um caso mais sério com Luis (Manolo Herrera), um rapaz vindo de uma região ainda mais pobre para trabalhar em uma construção realizada em uma das zonas mais importantes da capital, Cidade da Guatemala, mas que também sofre por ser homossexual, tendo sido agredido pelos irmãos – a violência, aliás, marca os personagens de várias maneiras, indo desde a homofobia aos desaparecimentos e mortes da época da guerra civil no país, que ainda se mantém como um dos mais violentos do mundo. O filme vai aos poucos perdendo seu ritmo, porém, em seu terceiro ato, passa a não ser apenas a trama de um jovem escondendo sua orientação sexual para ser uma história de amor universal, interrompida quando o seu amado desaparece.

> Circuito Spcine Olido – 31/10/2018 às 17h00

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page