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  • Foto do escritorNayara Reynaud

SOMENTE O MAR SABE | Misericórdia em um oceano de dúvidas e aflições

Atualizado: 15 de ago. de 2020


Colin Firth em cena do filme Somente o Mar Sabe (The Mercy, 2018) | Foto: Divulgação (Paris Filmes)

O desconhecimento da plateia brasileira sobre a quem é o velejador amador Donald Crowhurst e o que aconteceu com ele durante uma regata de volta ao mundo pode jogar muito a favor de Somente o Mar Sabe (2018), enquanto sua malfadada história vai contra a previsibilidade esperada pelo espectador, seja de uma típica história de superação de um filme de esportes ou de um drama marítimo. O diretor James Marsh, cujos principais trabalhos foram justamente a partir de histórias reais, a cinebiografia do físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, A Teoria de Tudo (2014), e o documentário ganhador do Oscar sobre o francês Philippe Petit que fez a travessia na corda-bamba entre as Torres Gêmeas, O Equilibrista (2008), se volta agora para o pequeno empresário inglês da cidade litorânea de Teignmouth, cujo sonho de grandeza se tornou uma armadilha.

Querendo marcar seu nome e também toda a fama e dinheiro que o pioneirismo lhe renderia, Crowhurst resolve se lançar ao mar em um desafio sobre-humano proposto pelo jornal Sunday Times: a Golden Globe Race, uma disputa de circunavegação do globo, sem paradas, que premiaria aquele que primeiro a completasse e também quem a fizesse mais rápido. Interpretado no longa com toda polidez por Colin Firth, o dono de uma pequena empresa de materiais de navegação, que, mesmo com a ajuda dos filhos, tem dificuldades para vender seu aparelho de localização, o Navigator. Entretanto, investe todas as energias, bens e esperanças da família em construir um trimarã para a corrida, fazendo do barco um veículo de propaganda de seus serviços e do patrocinador local, o Sr. Best (Ken Stott), contando com o jornalista policial recém-transformado em assessor de imprensa Rodney Hallworth (David Thewlis) para fazer a sua figura de underdog – vulgo vira-lata – estampar os noticiários e comerciais de TV.

Mas o tom idílico e nostálgico evocado até pela fotografia de Eric Gautier, adquire contornos de drama e thriller psicológico ao adentrar o mar, nesta produção que traz um dos últimos trabalhos do compositor islandês Jóhann Jóhannsson, falecido em fevereiro passado. O roteiro de Scott Z. Burns, que escreveu alguns filmes recentes de Steven Soderbergh, a exemplo de Terapia de Risco (2013), e também O Ultimato Bourne (2007), apresenta os meses entre 1968 e 1969 que David passou em pleno Oceano Atlântico, enfrentando tempestades maiores que as meteorológicas, pois, apesar das grandes ondas avariarem ainda mais a embarcação, outros problemas o afligem de modo mais profundo. Sem entrar em muitos detalhes, a pressão das dívidas e dos compromissos assumidos em terra firme – a da imprensa também fica evidente, sendo desnecessário demarcar isso novamente com o desabafo da sua esposa no final, apesar da cena ser um dos poucos espaços que Rachel Weisz tem no longa –, a maresia da culpa e a honra manchada que o esperam ao desembarcar geram um autoquestionamento delirante que marca esta segunda parte da trama.

Assim como o personagem, o próprio filme zarpa, mas não consegue navegar por águas mais profundos com suas ideias, como a alegoria do oceano como a vida e, onde qualquer escolha não dá a chance de retorno sem enfrentar as consequências. Os flertes estéticos e narrativos de Marsh dessa saga de busca pelo inalcançável a todo o custo e de fracasso acabam se tornando mais irregulares se comparados com a empreitada similar, mas em outro terreno, de James Grey no recente A Cidade Perdida de Z (2016). Talvez, se fosse menos condescendente com seu protagonista, se entregando à misericórdia desde o título inicial, a obra pudesse explorar novos mares.

 

Somente o Mar Sabe (The Mercy, 2018)

Duração: 112 min | Classificação: 10 anos

Direção: James Marsh

Roteiro: Scott Z. Burns

Elenco: Colin Firth, Rachel Weisz, David Thewlis, Andrew Buchan, Mark Gatiss, Genevieve Gaunt, Sebastian Armesto, Jonathan Bailey, Ken Stott, Anna Madeley, Finn Elliot, Laurence Spellman, Tim Downie, Dilyana Bouklieva, Kit Connor e Eleanor Stagg (veja + no IMDb)

Distribuição: Paris Filmes

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