JOVEM MULHER | Batendo a cabeça por aí
Atualizado: 9 de jul. de 2020

A estranheza está presente desde a primeira cena do longa de estreia de Léonor Serraille, em que o público só vê o vulto de uma Jovem Mulher (2017), imaginando que seja a dona deste título, batendo a cabeça na porta pela qual deseja entrar de qualquer jeito. Logo na sequência, é revelado mais do que seu rosto com seus diferentes olhos bicolores, mas alguém histérica, agitada, que não para de falar de seu passado e de seu ex para o médico que lhe atende. Com uma performance arrebatadora de Laetitia Dosch desde esse início, a curiosidade em conhecer quem é esta Paula Simonian é imediata, mas a empatia por ela não.
Leva-se tempo até se desfazer dessa impressão de que a protagonista é simplesmente uma louca egoísta e sem escrúpulos, e Serraille não tem pressa nisto. Ao lado de uma equipe técnica predominantemente feminina, a jovem diretora propõe um caminho diferente e gradual de desconstrução e consequente construção de sua anti-heroína, que atraiu a atenção de diferentes júris de festivais internacionais, que conferiram à obra o prêmio Caméra d’Or, dado ao Melhor Primeiro Filme, em Cannes, e o principal do X Janela Internacional de Cinema do Recife. A personagem tem sim um pouco de loucura e egoísmo, mas também orgulho, infantilidade, delicadeza, inquietude e outros tantos traços de sua personalidade, como qualquer outra mulher e/ou jovem.
Paula volta a Paris, após muito tempo no México, acompanhando o namorado (Grégoire Monsaingeon), um fotógrafo de renome que, um dia, foi seu professor e, agora, depois de 10 anos de relacionamento, não quer mais saber dela. Impedida de entrar no apartamento dele, ela vaga pela cidade em busca de um canto para dormir e de encontrar a si mesma, já que viveu durante tanto tempo o papel de companheira de Joachim Deloche. Se adaptando como uma camaleoa no deserto urbano, em que não encontra apoio – e também não se esforça muito em ser gentil para isso – dos amigos ou da mãe (Nathalie Richard, com quem está brigada, ela reformula a sua identidade e, por vezes, mente sobre ela a fim de sobreviver financeira, social, sexual ou emocionalmente.
É possível ver Paris também como um personagem a ser destrinchado, pelas linhas do metrô pelo qual Paula percorre sem rumo, ou pelos seus estratos sociais: da mulher (Erika Sainte) que a contrata para cuidar da filha que ainda sente a falta da babá que a criou ao segurança do shopping de origem africana e formado em Economia, Ousmane (Souleymane Seye Ndiaye). No entanto, o discurso geracional se torna mais forte durante o desenvolvimento da protagonista.
A busca por um lugar para ficar até ecoa Frances Ha (2012), mas Paula não tem a família para passar férias, nem amigos benevolentes para lhe dar abrigo; é uma jornada por independência que começa do zero, diferente da personagem marcante de Greta Gerwig, que, bem ou mal, já estava no caminho daquilo que sonhava e do que realmente tinha talento. Também há a lembrança de Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum (2013), com a imagem dela vagando como uma vira-lata com o gato dela e do ex, tal qual o protagonista dos irmãos Coen e seu bichano perdido, ou do recente filme argentino Ninguém Está Olhando (2017), nas mentiras e na relação entre babá e criança, embora a francesa crie com Lila (Lila-Rose Gilberti-Poisot) uma ligação menos maternal – paternal, no caso do ator do outro longa – e sim de amizade, que mostra as duas como infantes abandonadas. Léonor Serraille evita julgamentos morais, porém, paradoxalmente, é mais cruel que essas outras produções ao colocar Paula como representante de uma geração que tardiamente se autodescobre, enquanto vive uma jornada extremamente autocentrada.
A desleixada câmera na mão da fotografia de Émilie Noblet e a montagem ágil e inquieta de Clémence Carré demonstram o cuidado de um filme que se molda à sua personagem, em seu turbilhão da juventude. Por mais que esteja em seus 29 ou 31 anos – tal qual a diretora –, ela se sente jovem por só agora estar começando realmente a sua vida. E nesta redescoberta pessoal, assim como tantos outros jovens, ela segue batendo a cabeça por aí, literal ou metaforicamente, seja em um ato impulsivo, tal qual a primeira cena, ou, como faz da segunda vez, numa forma de lembrar fisicamente da dor que internamente não consegue entender.
Jovem Mulher (Jeune Femme, 2017)
Duração: 97 min | Classificação: 14 anos
Direção: Léonor Serraille
Roteiro: Léonor Serraille, com colaboração de Clémence Carré e Bastien Daret
Elenco: Laetitia Dosch, Souleymane Seye Ndiaye, Nathalie Richard, Lilas-Rose Gilberti-Poisot, Grégoire Monsaingeon, Léonie Simaga, Érika Sainte e Audrey Bonnet (veja + no IMDb)
Distribuição: Zeta Filmes
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