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  • Foto do escritorNayara Reynaud

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO | Não mais figuras escondidas

Atualizado: 26 de abr. de 2020


Octavia Spencer, Taraji P. Henson e Janelle Monáe em cena do filme Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2016) | Foto: Divulgação (Fox)

A escolha do título nacional pode exaltar as mulheres reais retratadas em Estrelas Além do Tempo (2016), mas perde o teor crítico do nome original da produção. E o principal feito de Hidden Figures, segundo longa de Theodore Melfi, diretor de Um Santo Vizinho (2014), é justamente o de revelar essas “Figuras Escondidas” nos registros de feitos históricos para a humanidade. No caso, os avanços trazidos pela corrida espacial que servia de combustível para a rivalidade entre os Estados Unidos e a então União Soviética.

No entanto, se a Guerra Fria acirrava os ânimos geopolíticos em 1961, ano em que se inicia a história do longa, a situação não era menos calma internamente para os norte-americanos. A abertura da década também marcava o momento em que a luta dos negros pelos direitos civis nos EUA começava a se intensificar, surgindo a liderança de Martin Luther King, que chega a ser citado no filme. E não faltavam motivos para protestar: quase 100 anos depois do fim da escravidão no país, a segregação ainda era oficial do estado da Virgínia, por exemplo, onde, na NASA, agência em que o futuro era objeto de estudo, o passado ainda gritava com os banheiros e bules de café separados para “pessoas de cor”, como escrito nas placas.

É nesse ambiente hostil que as protagonistas Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) trabalham. Elas eram “computadores”, nome pelo qual eram chamadas as funcionárias responsáveis pelos cálculos brutos requisitados pelas outras áreas da NASA, embora o destaque aqui seja para o setor exclusivo das profissionais negras, que ficava em uma salinha na distante ala leste. E se o racismo gritava na placa, igualmente paralisava – e ainda paralisa – na sua influência sobre o sistema, com as diferenças salariais e a falta de promoção e um plano de carreira para elas.

Só que logo o trio faz-se notar. Prodígio da matemática desde criança, Katherine, figura que conduz a narrativa, é recrutada pela equipe responsável pelo lançamento pioneiro, ao menos nos Estados Unidos, de naves tripuladas, enquanto a amiga Mary se junta ao setor de engenharia aeroespacial e Dorothy, superior direta delas, vislumbra a oportunidade de se beneficiar, junto de suas colegas, dos avanços tecnológicos. Porém, não sem resistência e muito preconceito declarado.

Única roteirista indicada ao Oscar, Allison Schroeder, ao lado de Melfi, segue a cartilha sem surpresas, tão presa às fórmulas do roteiro quanto suas personagens matemáticas, porém com ritmo e embalagem bem agradáveis para conquistar o público. Ainda assim, o roteiro consegue fugir de armadilhas: quando parece seguir o rumo comum de colocar a figura do dito “branco salvador”, especialmente com Kevin Costner como Al Harrison, as protagonistas novamente retomam o controle de suas trajetórias. Algo visível na insistência na corrida da sala oeste para a ala leste, realizada diariamente por Johnson, que se justifica na oposição feita no final, com o jovem branco indo atrás dela.

E apesar da revelação do filme ser a cantora Janelle Monáe, que, como a cativante Jackson, se destaca até mais que a outra coadjuvante Octavia Spencer, indicada ao Oscar da categoria, a grata surpresa vem de Taraji P. Henson à frente do elenco ganhador do SAG, prêmio do sindicato dos atores. Com uma personagem construída fora dos estereótipos comumente associados às mulheres negras no cinema, ela apresenta uma figura centrada e tímida, mas tão inteligente e audaz quanto às colegas. Até mesmo quando chega o momento de “estouro” da protagonista, a atriz o faz de modo condizente com a personalidade que desenvolveu durante toda a trama.

Esses tons diferentes a cada uma delas mostra como mulheres tão diversas foram capazes de feitos igualmente importantes. Uma foi responsável pelo cálculo fundamental para a reentrada na atmosfera do astronauta John Gleen, primeiro norte-americano a entrar na órbita terrestre, sendo importante depois na viagem espacial à Lua; outra, foi a primeira supervisora do pioneiro computador da IBM da NASA; enquanto a que sonhava ser engenheira, brigou na Justiça e se tornou a primeira negra do estado a poder estudar em uma escola segregada, reservada somente para brancos.

Por isso, quando toca I See a Victory na trilha mesclada entre canções originais cheias do funk e soul do Pharrell e o incidental motivacional de John Williams, a vitória aclamada não é apenas a individual de cada uma delas, e sim a do próprio filme em colocar três mulheres negras no protagonismo em uma produção não voltada apenas para o público afro-americano. Ver uma delas brilhando ao fazer cálculos e mais cálculos, e não o mesmo cara de “mente brilhante” e frenética de sempre, é o exemplo que muitos espectadores necessitam para terem orgulho e confiança em si mesmos, independente de cor, gênero ou gosto pelos números.

 

Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures, 2016)

Duração: 127 min | Classificação: Livre

Direção: Theodore Melfi

Roteiro: Allison Schroeder e Theodore Melfi, baseado no livro “Estrelas Além do Tempo” de Margot Lee Shetterly

Elenco: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner, Kirsten Dunst, Jim Parsons e Mahershala Ali (veja + no IMDb)

Distribuição: 20th Century Fox

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