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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2019 | Dia 2 – Sob a superfície

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Cobertura do 2º dia da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com crítica do filme colombiano Os Dias da Baleia (2019) e outros.

 

(Los Días de la Ballena, 2019)

David Escallón e Laura Tobón em cena do filme colombiano Os Dias da Baleia (Los Días de la Ballena, 2019) | Foto: Divulgação (ABMIC)

A arte surge como protesto contra a violência em Os Dias da Baleia (2019), apesar do retrato de um romance juvenil no primeiro longa da colombiana Catalina Arroyave Restrepo. A diretora e roteirista ganhou uma menção especial do júri no prêmio dedicado a filmes de estreia de cineastas mulheres no South by Southwest (SXSW) por este trabalho cuja inconstância da constante câmera na mão demonstra desde o início que o ambiente não é totalmente favorável para os jovens grafiteiros Cristina (Laura Tobón) e Simon (David Escallón). Ambientada em Medellín, a produção tem na trilha sonora o registro de um lugar que hoje é celeiro de astros do reggaeton que alcançaram o sucesso mundial, como Maluma e J Balvin, mas carrega na história o passado de uma cidade que ainda não se livrou de todas as cicatrizes das disputas entre os cartéis de drogas, especialmente nos anos 1980.

Essa marca já está na situação familiar de Cristina, que foi morar com o pai e a namorada dele, porque sua mãe jornalista saiu da Colômbia depois de ameaças de morte por conta de suas reportagens. Se ela deseja que a filha também vá para Cuba e lhe faça companhia lá, a universitária de classe média não quer deixar a sua vida em Medellín, onde dedica boa parte do seu tempo no projeto que ensina grafite a jovens de um bairro periférico e, à noite, sai para grafitar pela cidade com Simon, um amigo com quem se envolve amorosamente. Há uma clara diferença de classes sociais entre a moça e o rapaz morador dessa região violenta, mas ambos são ameaçados de formas diferentes ao longo da trama, enquanto desafiam a facção local com sua arte.

A resposta deles e de Catalina vem na forma da baleia do título. O animal surge em passagens de tempo metafóricas que a cineasta utiliza, como se ele fosse um gigante invisível perdido e engolido pela cidade, tal qual as vítimas de uma violência ainda presente em Medellín, mas que é escamoteada dos debates públicos atuais que querem acreditar que aquilo ficou no passado. Mas é no revide do spray dos protagonistas, com o grafite de Cristina e Simon que cobre a ameaça dos criminosos, onde a baleia se torna um símbolo de liberdade, ainda que utópica, em meio à dura realidade que os cerca, bem delimitada, mas nunca alcançada de fato pela realizadora.

 

Duração: 77 min | Classificação: 10 anos

Direção: Catalina Arroyave Restrepo

Roteiro: Catalina Arroyave Restrepo

Elenco: Laura Tobón, David Escallón, Julián Girlado, Carlos Fonnegra e Christian Tappan (veja + no IMDb)

Produção: Colômbia

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 18/10/2019, sexta às 19h30

> Cinearte 2 – 19/10/2019, sábado às 21h50

> Espaço Itaú Frei Caneca 5 – 22/10/2019, terça às 13h30

> Circuito Spcine Lima Barreto / CCSP – 26/10/2019, sábado às 15h

 

(Mataindios, 2018)

Se vistos na sequência no meio da maratona da Mostra, é curioso como, em um comparativo natural, o peruano Mataindios (2018) funciona em uma chave totalmente inversa do documentário macedônio com ritmo de narrativa ficcional Honeyland (2019). O primeiro longa de Oscar Sánchez Saldaña e Robert Julca Motta é uma ficção apresentada sob a forma documental na observação da rotina ritualística de uma comunidade andina – no caso, filmado no distrito de Huangáscar onde o primeiro nasceu. O grande problema do filme premiado no Festival de Cine de Lima é a sua dependência do conhecimento prévio ou posterior do espectador sobre a sua sinopse e temas locais para compreendê-lo.

A ideia é mostrar como a religiosidade serve como escape para a dor do luto pelos parentes e conhecidos desaparecidos. No entanto, a narrativa segue lentamente mostrando os detalhes da preparação de um culto ao padroeiro, em capítulos demarcados: depois do Prólogo, vem as Flores para o Padroeiro, seguido do referente à Capa, à Música e à Missa, além do Epílogo. O público acompanha esse passo a passo de costumes que reúnem tradições andinas ao catolicismo em uma paleta cinzenta que acentua este aspecto fúnebre, mas sem saber o porquê dessa celebração mortuária.

Para a plateia leiga, a razão por trás disso somente se revela bem ao final, com a chegada do padre e a realização da cerimônia em si no quarto capítulo. Se é difícil saber se a data na cruz – 24 de julho de 1987 – está ligada a algum massacre ou evento trágico específico, conhecendo o fato de que o Peru passou por período muito turbulento nos anos 80 e 90, é possível apontar que o tema transversal aqui são os conflitos internos entre grupos terroristas e o governo com políticas de abusos também contra a população durante essas décadas. Contudo, o que ressoa mais é a força da imagem, especialmente no epílogo, quando, após o esclarecimento de que o tal padroeiro é São Tiago, que na Espanha ganhou a devoção como “Matamouros” durante as Cruzadas e foi “exportado” para a América Ibérica para a catequização da população nativo sob o nome de “Mataindios”, as crianças exercem uma espécie de expurgação desse símbolo da Igreja Católica no país, menos em um sentido religioso e mais como ruptura do colonialismo.

A força de sua última impressão, porém, não é suficiente para apagar a avaliação negativa de uma obra que se sustenta hesitantemente mais nas suas interessantes ideias e importantes temas do que realmente como um filme por si só.

 

Duração: 76 min | Classificação: 14 anos

Direção: Oscar Sánchez Saldaña e Robert Julca Motta

Roteiro: Oscar Sánchez Saldaña e Robert Julca Motta

Elenco: Carlos Solano, Nataly Aures, Glicerio Reynoso, José Vivas e Faustina Sánchez (veja + no IMDb)

Produção: Peru

> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 18/10/2019, sexta às 20h00

> Circuito Spcine Olido – 29/10/2019, terça às 17h00

> Circuito Spcine Lima Barreto / CCSP – 30/10/2019, quarta às 15h

 

(Wasp Network, 2019)

Na produção multinacional que abre a 43ª edição da Mostra, a latinidade exala não só nos grandes nomes do elenco de Wasp Network (2019), novo filme do francês Olivier Assayas que conta com a espanhola Penélope Cruz, o venezuelano Edgar Ramírez, o brasileiro Wagner Moura, a hispano-cubana Ana de Armas, o argentino Leonardo Sbaraglia e o mexicano Gael García Bernal. Ela está na origem da história que acompanha como foi montada uma rede de espiões cubanos para se infiltrar na comunidade de exilados do país nos Estados Unidos, nos anos 1990. Baseado no trabalho de pesquisa do jornalista brasileiro Fernando Morais, colocado nas páginas do livro Os Últimos Soldados da Guerra Fria (2011), o longa também foi realizado pela produtora nacional RT Features, de Rodrigo Teixeira.

Assayas transforma as informações documentais em um thriller de espionagem, ainda que não se revele assim desde o princípio. O cineasta opta por apresentar ao público como os pilotos René Gonzalez (Ramírez) e Juan Pablo Roque (Moura) chegam ao território norte-americano como exilados políticos cubanos e passam a auxiliar no resgate dos compatriotas que fogem do país em busca de liberdade. Mas somente na virada para a segunda parte – ou ato atrasado –, ele revela como tudo fazia parte do plano da Rede Vespa criada pelo governo de Fidel Castro para monitorar a ação dos grupos militantes, sendo que alguns deles praticavam atos terroristas – assim como o regime castrista massacrava as forças oposicionistas de forma totalitária, já que nenhum lado é santificado aqui.

No entanto, o diretor e roteirista enfrenta dificuldades no desafio de dar conta de tantos personagens ao percorrer um espaço de tempo de cinco anos, não conseguindo atar os nós desta intricada trama latina. Fazendo uma analogia com os aviões tão importantes na história, o roteiro sobrevoa diversas passagens históricas e subtramas, enquanto a montagem liga um ponto ao outro sem conferir ritmo, fazendo com que a narrativa nunca decole pra valer. O resultado é que os 130 minutos de duração parecem mais longos do que realmente são e, ao mesmo tempo, encurtados frente a um material que renderia melhor como uma minissérie, tal qual o realizador fez com Carlos, o Chacal (2010), estrelado também por Edgar.

Sobrecarregado por essa complexidade narrativa e sociopolítica, Olivier não encontra espaço para desenvolver os personagens, seja na verborragia dos diálogos do seu último e diametralmente oposto Vidas Duplas (2018) ou na introspecção de outros trabalhos anteriores, apesar do bom elenco que tem em mãos, com destaque para Cruz e Armas se sobressaindo ao pouco que o texto lhes dá como mulheres abandonadas pelos cônjuges e, igualmente, pelo filme, uma hora ou outra. Da mesma maneira, pouco se trabalha diversas ideias interessantes que surgem na medida em que a ambiguidade dos personagens se transforma em dicotomias: desses homens que põem a pátria ou uma causa acima da família que sofre as consequências de seus atos, desses agentes que usufruem do capitalismo norte-americano enquanto defendem o socialismo cubano, e desses governos ou opositores que buscam a paz e a liberdade através da violência e do medo. Mas, ainda que não aprofunde suficientemente esses paradoxos, a superficialidade de Assayas, ao menos, não resulta em respostas simplificadoras para uma história real sem mocinhos ou vilões.

 

Duração: 130 min | Classificação: 16 anos

Direção: Olivier Assayas

Roteiro: Olivier Assayas, inspirado no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, de Fernando Morais

Elenco: Penélope Cruz, Edgar Ramírez, Gael García Bernal, Wagner Moura, Ana de Armas e Leonardo Sbaraglia (veja + no IMDb)

> Cinearte 1 – 18/10/2019, sexta às 16h30 (Encontro com o diretor após a sessão)

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 20/10/2019, domingo às 21h15

> CineSesc – 26/10/2019, sábado às 21h15

 

(Brittany Runs a Marathon, 2019)

Paul Downs Colaizzo, um dramaturgo da off-Broadway, como é conhecido o circuito de teatro alternativo de Nova York, se aventura pela primeira vez no cinema com A Maratona de Brittany (2019), um filme em que se inspira livremente na história da amiga de mesmo nome, cuja foto surge nos créditos. A Brittany da trama ficcional, interpretada por Jillian Bell, não pensa em desafios tão gigantescos, seja em uma prova esportiva ou qualquer outro aspecto da vida que vai levando sem grandes aspirações, aparentemente. A descoberta de um problema de saúde, porém, provoca uma crise existencial nesta jovem de 27 anos, já que a sua pressão arterial alterada não diz respeito apenas ao seu peso acima do IMC, mas ao seu estilo de vida.

Se a corrida surge como uma obrigação na opção mais barata para se exercitar e seguir as recomendações médicas, a metáfora vem como desafio ideal para motivá-la, bem como uma metáfora ideal para o longa abordar a sua transformação pessoal. Com Bell finalmente alçada ao protagonismo, depois de várias e boas participações em comédias como Anjos da Lei 2 (2014) e A Noite É Delas (2017), a personagem encontra no texto e na sua interpretação a desconstrução do estereótipo comum da “gordinha engraçada”. Brittany e o filme usam o humor como escape que esconde as inseguranças dessa mulher que, somente aos poucos, revela seus sonhos soterrados sob a rotina nova-iorquina e um comodismo natural que acomete as pessoas quando a vida leva para caminhos diferentes do inicialmente desejado.

Trata-se de uma protagonista que foge do óbvio e desafia o público tomando diversas atitudes errôneas, no entanto, capaz de gerar empatia justamente por se autossabotar não somente por orgulho, mas também por medo. Neste sentido, mesmo que a trama se encaminhe para situações inusitadas como a dinâmica que se estabelece entre ela e outro cuidador pet, Jern (Utkarsh Ambudkar), há algo realístico na forma como se desenrola essa transformação da personagem: não como uma corrida linear, mas uma caminhada em que se dá alguns passos para frente e volta-se algumas casas para trás até que se complete a maratona. No meio dessa trajetória, o roteiro ainda acha uma brecha para Brittany, na descoberta de novas amizades em Catherine (Michaela Watkins) e Seth (Micah Stock), reavaliar as relações tóxicas que estabelece, sendo a vítima ou sendo o algoz.

A direção de Colaizzo acompanha essa peregrinação dela oscilando seu tom entre uma típica comédia romântica na Big Apple, especialmente as produzidas pela Netflix, apesar de se tratar de uma produção original da Amazon, e um estilo mumblecore em sua parcela de dramédia e nos planos mais iniciais, além de abraçar de vez o discurso motivacional em seu último ato. É uma dicotomia que surge também na trilha sonora, que traz uma seleção pop e que vai de encontro com a ideia de empoderamento e autoconfiança com o próprio corpo do trabalho da cantora Lizzo, com Good as Hell, e uma escolha fora da curva no discreto uso da ótima e também certeira aqui Something On Your Mind, da cantora de folk blues Karen Dalton. Se a proposta funciona na parte musical, nem sempre acerta quanto ao ritmo da narrativa enquanto o cineasta estreante se desfaz de clichês e se aproveita de outros, mas é suficientemente eficiente para render ao filme o Prêmio da Audiência no Festival de Sundance.

 

Duração: 104 min | Classificação: 10 anos

Direção: Paul Downs Colaizzo

Roteiro: Paul Downs Colaizzo

Elenco: Jillian Bell, Michaela Watkins, Utkarsh Ambudkar, Micah Stock, Alice Lee, Lil Rel Howery e Kate Arrington (veja + no IMDb)

Produção: Estados Unidos

Distribuição: Diamond Films

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 18/10/2019, sexta às 19h30

> CineSesc – 21/10/2019, segunda às 18h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 23/10/2019, segunda às 18h00

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