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Foto do escritorNayara Reynaud

O RETORNO DE MARY POPPINS | Hollywood pode imaginar isso?

Atualizado: 19 de fev. de 2021


Emily Blunt, Joel Dawson, Pixie Davies, Lin-Manuel Miranda e Nathaniel Saleh em cena de O Retorno de Mary Poppins (2018) | Foto: Divulgação

Com os créditos iniciais como antigamente, seja no formato e fontes ou nas pinturas em homenagem ao pintor e especialista de efeitos especiais Peter Ellenshaw (1913-2007), artista da Disney que foi o responsável por criar os cenários do filme original, O Retorno de Mary Poppins (2018) assinala desde o começo seu apreço pela nostalgia ao regressar à Rua das Cerejeiras, número 17. Na realidade, desde a sua concepção como uma continuação que segue à risca a fórmula do clássico Mary Poppins (1964), com a babá criada pela escritora australiana-britânica Pamela Lyndon Travers, agora com Emily Blunt na pele da personagem que se tornou icônica com Julie Andrews, voltando para cuidar mais uma vez das crianças Banks. Tanto de Michael (Ben Whishaw) e Jane (Emily Mortimer), que já estão adultos, quanto do trio de filhos dele, os gêmeos Anabel (Pixie Davies) e John (Nathanael Saleh) e o pequeno George (Joel Dawson).

O roteiro de David Magee, com apoio de Marshall e John DeLuca no argumento, tem como referência o segundo livro de P.L. Travers, A Volta de Mary Poppins (1935), e outros títulos adicionais da série literária que ela publicou por décadas. Na prática, se assemelha a tantas “sequências remake” vistas ultimamente nos cinemas, de Star Wars: O Despertar da Força (2015) a Halloween (2018), provocando toda sorte de efeito nostálgico para agradar aos fãs e trazendo um pouco de novidade a fim de atrair um novo público. O curioso em O Retorno de Mary Poppins, no entanto, é como a obra, que por si só é um sintoma de certa falta de criatividade de uma indústria cultural que insiste em requentar produtos garantidos de olho nos lucros, rememora justamente a fantasia que fez de Hollywood o que ela é hoje, reforçando aqui a imaginação como mensagem principal da franquia.

Nesse paradoxo, o que primeiro salta aos olhos do público já conhecedor são os elementos de identificação e/ou comparação com o longa de Robert Stevenson. A mitologia da personagem está no vento, na bolsa e no indefectível guarda-chuva, tal qual o cenário marcante do parque ou do banco que, neste caso, tem papel fundamental na história, pois tudo começa quando seus representantes determinam um prazo de uma semana para Michael pagar sua dívida, se não tomarão a casa que o recente viúvo deu como garantia de um empréstimo. Mais que isso, figuras e sequências são criadas em equivalência ao original.

Se Bert (Dick Van Dick, que faz uma participação especial na produção recente, mostrando que não perdeu o jeito aos 93 anos) era o limpador de chaminés da Londres dos anos 1910, quem assume o lugar de “mestre de cerimônias” é o lume Jack (Lin-Manuel Miranda, em seu primeiro grande papel nos cinemas, depois de estourar no musical teatral Hamilton, de 2015), responsável por acender os lampiões da cidade que enfrenta a Grande Depressão na década de 1930. Se Mary e sua turma entravam em um desenho e dava-se início a algo inédito para época, com a mistura de live action e pinguins e outros elementos animados na mesma cena, agora eles adentram em uma tigela de porcelana chinesa, na sequência mais interessante do filme. Cativante e destacável nos aspectos técnicos, que vão desde a animação 2D com traços clássicos da Disney ao cuidado do design de som em reproduzir os sons dos passos e rodas sobre o delicado material, ela também carrega importância narrativa nas alegorias que correm paralelas à trama principal.

Contudo, há mudanças de caminho sutis que o diretor e os roteiristas tomam para se adaptar à plateia atual, como não dar muito destaque à bolsa da babá que “cabe tudo", que para os mais jovens remeteria à da Hermione de Harry Potter, e introduzir o mundo mágico de Poppins de forma mais grandiosa, com o mergulho profundo na banheira embalado por Can You Imagine That? / Não Dá Para Acreditar. Da mesma maneira, para não distrair a atenção dos pequenos de hoje em dia, não tão acostumados ao gênero, o longa tem 10 minutos a menos e não possui tantos números musicais como o primeiro, seja em quantidade ou duração.

O roteiro de Magee tem seus deslizes, a exemplo do modo como abandona a subtrama do tal vaso de porcelana, mas o que chama atenção negativamente de alguns espectadores não é nem bem um defeito, muito menos algo originário dele. O protagonismo de Mary Poppins, desde o original, é ofuscado diversas vezes por seu companheiro proletário de magia – lembre-se que é Bert quem faz o discurso que desperta a atenção do Sr. Banks –, mas a imagem de Julie Andrews ficou tão marcada no imaginário coletivo que isso passa batido, diferente da pressão que Blunt tem aqui ao assumir o papel. Além de seu carisma natural, a atriz empunha toda polidez do gestual à fala da babá “praticamente perfeita”, mas isso resulta também em uma discrição obrigatória da personagem que estimula as crianças, sem que elas percebam, a tomarem suas próprias decisões.

Isso fica evidente nas letras de Marc Shaiman, mais diretas que Feed the Birds e outras canções do anterior, em seus ensinamentos para o público infantil e adulto, é claro, para não julgar pela aparência em A Cover Is Not the Book / Pela Capa Não Dá Para Ver, a lidar com o luto em The Place Where Lost Things Go / Algum Lugar, a superar a tristeza e/ou depressão em Trip a Little Light Fantastic / A Luz Que Brilha, entre outros. Espelhando também o trabalho dos irmãos Sherman, da música de ninar ao trava-língua de The Royal Doulton Music Hall / A Tigela Musical, bem mais diluído que Supercalifragilisticexpialidocious, o compositor se esbalda nessa origem vaudeville bem relevante que Mary Poppins sempre teve. A sonoridade vintage, contudo, encontra um leve toque de modernidade na influência de rap que Miranda carrega consigo em certos momentos e até na coreografia, com as bikes freestyle.

Nesse encontro de gerações de filmes e plateias, é possível que aqueles que guardam boas recordações da infância em relação ao primeiro longa, não consigam mais assistir este ou sua continuação com os mesmos olhos inocentes, sem o cinismo que se ganha no decorrer dos anos – ou análise crítica, no nosso caso. Mas se os adultos se esquecem rapidamente da magia de ser criança, que Mary Poppins já tentava resgatar desde os livros e do musical de 1964 – e que foi tema de outra produção recente da Disney, Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível (2018) –, é no inverso que a franquia funciona mais: tanto o original quanto a sequência fazem os pequenos verem as dificuldades de seus pais com os problemas da vida adulta, enquanto estimula a imaginação deles e exalta seu poder para suscitar criatividade e autoconfiança. Assim, O Retorno de Mary Poppins usa a fantasia pronta e requentada de Hollywood para jogar a luz fantástica sobre o espectador de qualquer idade, que pode imaginar ou fazer um mundo, pelo menos, um pouquinho melhor em tempos difíceis e sombrios.

 

O Retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns, 2018)

Duração: 130 min | Classificação: Livre

Direção: Rob Marshall

Roteiro: David Magee, com argumento de David Magee, Rob Marshall e John DeLuca, baseado nas histórias de “Mary Poppins” de P.L. Travers

Elenco: Emily Blunt, Lin-Manuel Miranda, Ben Whishaw, Emily Mortimer, Pixie Davies, Nathanael Saleh, Joel Dawson, Julie Walters, Meryl Streep, Colin Firth, Jeremy Swift, Kobna Holdbrook-Smith, Dick Van Dyke e Angela Lansbury (veja + no IMDb)

Distribuição: Disney

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