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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Dia 10 – Forças de resistência e retratos de família

Atualizado: 1 de ago. de 2021


Mostra SP 2018 - Dia 10: Vida Selvagem | A Cidade dos Piratas | Noite Silenciosa | Charlotte Quer se Divertir | Operação Overlord | Fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Forças de resistência no terror de ação Operação Overlord, na animação nacional A Cidade dos Piratas e no canadense Charlotte Quer se Divertir, e os retratos partidos de família em Vida Selvagem, que marca a estreia de Paul Dano na direção, e no outro impressionante début polonês Noite Silenciosa , que são destaques deste décimo dia da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, junto com outros filmes na programação deste sábado.

 

(Overlord, 2018)

Cena de Operação Overlord (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Ao ter a assinatura de J.J. Abrams na produção e a proposta de unir o terror à ação de um filme de guerra, muitos associaram pronta e erroneamente que o projeto de Operação Overlord (2018) estivesse ligado ao universo de Cloverfield. No entanto, há uma diferença no longa dirigido por Julius Avery, de Sangue Jovem (2014), que é vital para afastá-lo da franquia: justamente a origem humana e não alienígena de seus monstros. Se essas figuras são sempre usadas no gênero de horror para simbolizar temores, geralmente, universais ou de determinados grupos sociais, esta obra faz uma alegoria explícita ao materializar em um monstro, de fato, a monstruosidade humana que foi atingiu um de seus ápices com o nazismo.

O pano de fundo para isso é a Operação Overlord, que antes de se iniciar com o Dia D, o famoso dia do desembarque das tropas aliadas na Normandia, contou com um grupo que “preparasse o terreno”, segundo a trama aqui apresenta. Mas se o plano deles era derrubar a torre de comunicação do Eixo na França antes do ataque, com a coordenação do especialista em explosivos, Cabo Ford (Wyatt Russell), o que restou da tropa descobre que o perigo nazista é muito maior e se esconde nos experimentos nefastos do Dr. Schmidt (Erich Redman) de criar um exército de super-humanos quase zombie.

Na licença poética que esta fantasia permite, o elenco apresenta uma diversidade que não só está sintonizada com as preocupações dos tempos atuais, mas que serve de afronte ao terror em questão ao colocar um protagonista negro – justamente de um dos vários grupos perseguidos pelo nazismo – e uma mulher no combate. Jovan Adepo, o filho de Um Limite Entre Nós (2016), encarna o frágil, mas convicto em seus princípios, Soldado Boyce que, em certo ponto afirma que onde mora, no sul dos Estados Unidos, “não tem uma guerra assim”, deixando nas entrelinhas a existência da guerra racial silenciosa presente naquela região. A francesa Mathilde Ollivier na pele de Chloe, moça do vilarejo que ajuda os norte-americanos e é obrigada a manter contato com o oficial alemão Wafner (Pilou Asbæk), tem um quê de Shosanna de Bastardos Inglórios (2009), mas sem a complexidade que é dada à personagem de Mélanie Laurent na vingança histórica de Quentin Tarantino.

Com a pegada pop dos blockbusters atuais e um ótimo design de produção, o longa se mantém até durante um bom tempo no campo da seriedade de um filme de guerra, demorando para mergulhar mesmo no universo de terror, embora nunca se assuma totalmente como o filme B que é em sua essência. Exibindo a cartela com o título como se fosse um filme dos anos 1940, pode surgir em alguns espectadores o questionamento se Operação Overlord poderia ser mais interessante se fosse filmado em preto e branco ou realmente adotasse uma estética daquele período, mas isso não quer dizer que o público não sairá satisfeito com Avery entregando aquilo que se espera dentro da proposta deste longa.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 27/10/2018 às 21h40

 

(Voina Anny, 2018)

Tela preta, com barulhos de tiros e vozes em alemão. Quando a imagem surge, revela partes de corpos na lama, até que um braço começa a se mexer e dele aparece uma pequena menina de apenas seis anos. Este é o impactante cartão de visitas de A Guerra de Anna (2018), apresentado logo na abertura do novo filme do russo Aleksey Fedorchenko, de longas já exibidos na Mostra, como Os Primeiros na Lua (2005), A Estrada de Ferro (2007) e Almas Silenciosas (2010).

Exibido no Festival de Roterdã, seu novo trabalho segue a trilha de outros de observar a guerra, especialmente a II Guerra Mundial, pelo olhar de uma criança. Artifício visto desde o sucesso A Menina que Roubava Livros (2013) ao clássico A Infância de Ivan (1962), début do mestre compatriota Andrei Tarkovski, aqui ele adquire um prisma ainda específico e minimalista quando a menina judia praticamente não tem contato com outros humanos em mais de 70 minutos de filme. Cabe à novata Marta Kozlova, que encarna a protagonista solitária, cativar e prender a atenção e o fôlego do público enquanto a sua Anna acaba se refugiando justamente na chaminé de um quartel nazista montado em uma escola durante a ocupação alemã na então União Soviética.

Dá agonia vê-la tomando água suja e sobras de comida no decorrer da história, que se restringe a uma narrativa episódica dos passos dados ou não pela garota naquela situação extrema. Se a trama pode ser pequena demais para um longa, o roteiro de Fedorchenko e Nataliya Meshchaninova funciona como um conto moral sobre sobrevivência no isolamento que a guerra provoca a cada indivíduo, e o quanto isso os aproxima ou afasta do que nos torna humanos ou do que temos de animalesco. E, por fim, fica a questão: até quando sobreviver vale a pena?

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 17h45

> Espaço Itaú Augusta 1 – 28/10/2018 às 19h45

 

(Charlotte a Du Fun: Charlotte Has Fun, 2018)

Cena do filme canadense Charlotte Quer se Divertir (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A proposta da atriz Sophie Lorain para o seu segundo longa como diretora está no título: Charlotte Quer Se Divertir (2018). A produção do Quebec, representando o cinema canadense francófono é convidativa desde o início, com o seu preto e branco e o clima de amizade descompromissada de amigas que apenas querem curtir a vida, que traz ares de Frances Ha (2012). Soma-se a isso as várias inserções de Maria Callas cantando Habanera, da ópera Carmen, que parecem feitas sob medida para esta comédia romântica sobre a guerra dos sexos.

Exibida no Festival de Tribeca, a obra traz Marguerite Bouchard como Charlotte, uma garota que, desiludida com o fim de seu longo namoro, decide trabalhar com as amigas, a cética do amor Mégane (Romane Denis) e a romântica tímida Aube (Rose Adam), em uma grande loja de brinquedos local – que parece a Ri Happy na estrutura de um Leroy Merlin, por exemplo. Encantada com o charme e aparente compreensão dos rapazes que são vendedores lá em comparação com os seus colegas de ensino médio, a jovem decide explorar sua sexualidade sem ser julgada por isso. Pelo menos, era o seu desejo até perceber os comentários e organizar uma greve de sexo entre todas as funcionárias da Toy Depot como crítica à dinâmica de gêneros no ambiente de trabalho, com os homens sempre tentando pegar as novatas para “completar” seu catálogo e nunca assumindo compromisso sob a desculpa de um amor livre.

Talvez, por ser simpático desde o primeiro instante e lidar com temas tão pertinentes como o machismo, fique um resquício de frustração ao fim da sessão, quando estas questões acabam sendo tratadas de maneira superficial, apesar do esforço para a fazer o contrário, e o filme se revela mais pueril do que o esperado – digamos que para o clima de Mostra, não para uma produção sobre e para adolescentes, na qual ela se destaca da média.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 21h50

 

(A Cidade dos Piratas, 2018)

Cena da animação nacional A Cidade dos Piratas (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Provavelmente o filme mais anárquico da seleção desta 42ª Mostra, o novo trabalho de Otto Guerra faz da confusão o seu norte para o espectador alcançar A Cidade dos Piratas (2018). A produção que recebeu menção honrosa do júri do Festival de Gramado “por colocar questões atuais no formato de humor não domesticado” é o quarto longa do animador gaúcho, responsável pelos pioneiros, por assim dizer, Rocky & Hudson: Os Caubóis Gays (1994), Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’roll (2006) e Até que a Sbórnia Nos Separe (2013), além de curtas como o ótimo Novela (1992). Realmente, nada é domesticado nesta animação brasileira – na maior parte do tempo, mas não exclusivamente –, muito menos sua hibridez entre gêneros cinematográficos, fluidez estética e narrativa fragmentada.

Anunciando-se como um filme sobre “a vida e obra de Laerte”, o longa se recusa a ser uma simples adaptação dos principais personagens da carreira do então cartunista conhecido por ser uma voz dissidente na época da Ditadura, especialmente os Piratas do Tietê, e que hoje ela rejeita. A artista que assumiu sua transexualidade surge em depoimentos de um registro documental que rompe a animação, enquanto a sua trajetória biográfica é contada através de um(a) terceiro(a) personagem, dublado(a) por Matheus Nachtergaele. Para completar, Guerra coloca a si mesmo neste balaio em uma terceira via narrativa, revelando as dificuldades desta produção, sempre de um modo bem humorado e atingindo o ápice da metalinguagem.

Entre mil referências, sendo muitas mais perceptíveis aos conhecedores das obras do cineasta e da cartunista, e uma escatologia que lhe é própria, Otto ainda acrescenta política e mitologia grega – e mais alguma coisa que possivelmente esqueci – nesta salada, sobrando até para o poeta Fernando Pessoa entrar nesta dança maluca, em que os temas se entrecortam com o sinal de uma rádio pirata sobre a outra. Nenhuma das frentes levanta o voo que poderia, mas é curioso como o filme funciona em sua experiência experimental com o público, entre um labirinto metalinguístico e uma antropofagia artística. A relação que estabelece entre o minotauro representando o medo de uma liberdade que o conservadorismo, simbolizado no político demagogo conservador dublado por Marco Ricca, rejeita, mas deseja em seu íntimo é onde a obra estabelece seu melhor discurso através da total identificação com o momento atual.

> Cinemateca – Sala BNDES – 27/10/2018 às 17h00

 

(Wildlife, 2018)

Carey Mulligan, Ed Oxenbould e Jake Gyllenhaal em cena de Vida Selvagem (Wildlife, 2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Há grandes incêndios nas florestas e montanhas em torno da cidade que serve de cenário para Vida Selvagem (2018), mas há outro mais silencioso e invisível ruindo a estrutura familiar dos protagonistas do filme que marca a estreia na direção do ator Paul Dano. Vindos das páginas do livro homônimo de Richard Ford, publicado em 1990, os Brinson são recém-chegados em Montana, o que não é uma novidade na sua rotina de mudanças, como representantes de uma classe média baixa norte-americana que, em pleno ano de 1960, precisa se virar de algum jeito. Mas a situação se torna complicada mesmo quando o Jerry (Jake Gyllenhaal) perde o emprego e, num misto de orgulho e apatia, vendo a esposa Jeanette (Carey Mulligan) e o filho adolescente Joe (Ed Oxenbould) procurando trabalho, decide partir para combater os incêndios na região.

O roteiro adaptado por Dano e Zoe Kazan, sua mulher e também atriz, constrói esse desmoronamento domiciliar através do olhar do menino de 14 anos, que tem uma relação de admiração com o pai e a mãe, mas, neste coming of age de mão dupla, precisa amadurecer rapidamente enquanto suas figuras paternas passam a tomar atitudes mais infantis. Jeanette se desespera com a partido do marido, perde seu otimismo habitual e, na ânsia de salvar a si e a seu filho, encontra uma maneira fácil e escusa para se sustentarem. Ao mesmo tempo, passa a se questionar sobre suas escolhas de vida e a mãe de apenas 34 anos já com um filho adolescente tenta recuperar o tempo perdido. Chega ao ponto dela, tão perdida no que está fazendo e no que fez até então, pedir ajuda ao garoto sobre um caminho melhor para seguir, sendo que é o menino que está, com toda razão, quase a ponto de pedir socorro.

Mulligan está soberba nesse papel que intercala fragilidade e coragem como essa jovem mãe sessentista que deseja tomar as rédeas de sua própria vida sem saber qual direção tomar. No entanto, quem segura o longa é Oxenbould, o menino de Alexandre e o Dia Terrivel, Horrível, Espantoso e Horroroso (2014) que cresceu bastante e dá conta da tarefa sob o grande controle narrativo e emocional da direção de Dano, muito segura em seu début. Com planos fixos dominando a tela frente a leves zooms em momentos-chave, o cineasta estreante transporta o ofício de assistente da loja de fotografias do jovem para a linguagem do filme, que encerra literalmente um retrato doloroso dessa família.


> Espaço Itaú Pompeia 1 – 27/10/2018 às 21h00

> Cinearte Petrobras 1 – 30/10/2018 às 18h40

 

(Chica Noc, 2017)

Cena do filme polonês Noite Silenciosa (2017) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Outro exemplar da excelente safra de filmes poloneses presentes na seleção desta Mostra, que conta com os marcantes Guerra Fria (2018) e Fuga (2018) –, Noite Silenciosa (2017) poderia muito bem ser um filme natalino hollywoodiano, em que uma família se reúne para a ocasião e as coisas dão errado. No entanto, uma produção norte-americana seria incapaz de adentrar e compreender uma peculiaridade do primeiro longa de Piotr Domalewski. O fato de quase todos os homens do clã retratado, assim como tantos outros no país, precisarem ir ao exterior para conseguir trabalho e sustentar a família que permaneceu marca um comentário regional sobre a emigração na Polônia, assim como serve de motor para as implicações disso na dinâmica familiar na tela.

O jovem cineasta se apropria, sem copiar, do estilo e humor negro desse cinema neorrealista do Leste Europeu, especialmente da Nouvelle Vague Romena, de quem a obra guarda muitas similiaridades com Sieranevada (2016). Bem mais curto em sua duração que o longa de Cristi Puiu, a narrativa que vai crescendo aos poucos – na história polonesa, particularmente do segundo ato para frente, com a ceia que aqui se realiza de fato –, conjuntamente com a sensação de claustrofobia dentro daquele ambiente familiar. Domalewski, porém, tem sua própria visão do assunto e a apresenta desde o primeiro quadro, quando a imagem da câmera digital do protagonista abre a produção: o ecrã como intermediário já aponta a representação como o ingrediente deste jantar em família, diferenciando aquilo que se deseja mostrar aos parentes e o que realmente se sente.

O dispositivo é empunhado várias vezes por Adam (Dawid Ogrodnik), porque o rapaz que retorna da Holanda para passar com o Natal no interior da Polônia, com os pais, irmãos, avô, tias e primos, deseja guardar os vídeos como lembrança para sua descendência. A namorada que deixou no país está grávida e ele deseja, embora tenha dificuldades para conversar sobre isso e outros assuntos com seus familiares, acertar tudo para começar a vida de vez fora dali. Como o público já pode esperar, os planos dele não saem como imaginado e a noite, que nada tem de silenciosa, surpreende ao abordar, além dessas questões socioeconômicas pertinentes aos polacos e nações na mesma situação e essa figura paterna distante, alcoolismo, violência doméstica contra a mulher e até maconha, mas tendo as complicações amorosos como a pimenta desta receita típica.

> Cinearte Petrobras 1 – 27/10/2018 às 16h00

> Espaço Itaú Augusta 1 – 30/10/2018 às 14h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 31/10/2018 às 22h00

 

(Manbiki Kazoku, 2018)

Quando levou a Palma de Ouro em um Festival de Cannes cheio de discussões contundentes fora e dentro das telas, Assunto de Família (2018) pode ter surpreendido a muitos lá presentes. A decisão de dar essa honraria pela primeira vez ao cineasta japonês Hirokazu Kore-eda e por seu novo e agridoce trabalho ser mais abrangente na tarefa de agradar público, crítica e júri podem ser levadas em consideração para justificar essa escolha. No entanto, é bem mais interessante a ideia de premiar um filme que trate de maneira genuína e delicada a complexidade das relações humanas, dos laços familiares e da moral.

Essas questões sempre permearam o cinema de Kore-eda, em títulos que passaram pela Mostra como Ninguém Pode Saber (2004), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade, e, na produção escolhida para representar o Japão como pré-candidata ao Oscar, ele disserta sobre como os laços familiares se constroem não pelo sangue em comum, mas pelo carinho e atenção trocados. Sofrendo com os maus tratos e agressões da mãe biológica, a pequena Yuri (Miyu Sasaki) é socorrida pelo ladrão Osamu (Lily Franky) que se compadece dela e leva para casa, onde vive com sua família torta, com a mulher Nobuyo (Sakura Andô) e o que parecem ser a avó (Kirin Kiki) e irmã dela (Mayu Matsuoka) e o seu filho Shota (Jyo Kairi), a quem ensina a arte de ser "mão leve". Somente aos poucos o público vai entendendo que a dinâmica existe além de relações parentais verdadeiras e que uma nova vai se construindo com a menina.

Se Osamu é amoral ao introduzir não só Shota como até Yuri no caminho do clã da malandragem e criminalidade, foi o mesmo que os resgatou e trata como filhos, revelando a dualidade marcada nesses personagens que agem por sobrevivência ou interesse, mas também demonstram verdadeira compaixão um com os outros. A relação fraternal que surge entre o menino e a garotinha é construída gradativamente para sucumbir a um sacrifício que leva ao clímax e um final que atesta que nem sempre o correto à primeira vista é o melhor a se fazer dependendo da situação. Neste mosaico familiar, o roteiro escrito pelo próprio Kore-eda peca ao deixar a jovem Aki de Mayu Matsuoka muito avulsa: a neta da senhora Hatsue que trabalha como uma espécie de stripper / prostituta para voyeuristas começa a gerar interesse com seu arco que lembra a utilização do sexo para tratar da solidão, como fez em Boneca Inflável (2009), mas é deixada ao relento com seu desfecho após uma confusa descoberta das ações de sua avó e seus pais.

> Reserva Cultural – Sala 1 – 27/10/2018 às 16h00

 

(Familia Sumergida, 2018)

A concepção mais interessante que a atriz argentina María Alche faz em seu primeiro longa como diretora é a sua demarcação bem clara de dois tipos de família: aquela que a pessoa conhece desde o nascimento, com pais, irmãos ou afins, e lhe serve de suporte para a vida; e aquela que o indivíduo forma no decorrer de sua história, cabendo a ele ou ela suportar os seus membros. É quando perde a irmã, que era quem lhe restava de sua família pregressa, que a protagonista vivida por Mercedes Morán entra em crise com o seu papel de esteio de sua outra família, na qual é esposa e mãe de três filhos. Este é o norte de Família Submersa (2018), coprodução entre Argentina, Brasil e Alemanha que ganhou o Prêmio Horizonte no último Festival de San Sebastián.

Sem ter um momento direito para sentir o luto pela perda da irmã, Marcela precisa lidar com os problemas de seus filhos, já que o marido está viajando. A mais velha terminou com o namorado, a do meio está pensando em sair de casa e o caçula precisa estudar, pois está de recuperação, obrigando todos a passarem o verão ali mesmo e terem férias reduzidas. Neste ínterim, ela acaba se aproximando de Nacho (Esteban Bigliardi), um amigo de sua filha que acaba lhe servindo de colete salva-vidas neste momento em que procura encontrar sua própria identidade nesta vida que lhe submerge.

A cineasta estreante que um dia foi A Menina Santa (2004) de Lucrecia Martel pega emprestado muito do olhar da compatriota reconhecida em seu retrato de relações familiares claustrofóbicas e o tom fantasmagórico que imprime nas visões de parentes mortos que se confundem com a realidade morta da protagonista. Contudo, Alche não consegue seguir em frente em nenhuma das diversas frentes que abre nesta história, passando a sensação de um filme incapaz de emergir dessas pretensões na hora necessária.


> Espaço Itaú Frei Caneca 5 – 27/10/2018 às 16h40

> Cinesala – 28/10/2018 às 14h00

 

(Zimna Wojna, 2018)

Após fazer produções internacionais e de língua inglesa, como o romance lésbico Meu Amor de Verão (2004), Pawel Pawlikowski voltou as suas origens polonesas, fazendo seu primeiro filme no país onde viveu até os 14 anos com Ida (2013) e dando à Polônia o seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não por menos, seu novo trabalho Guerra Fria (2018), que rendeu a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, foi escolhido novamente escolhido para representar a nação, mostrando outro fantasma de seu passado recente. Sai o não-dito sobre o nazismo que é tratado no anterior para falar das marcas do regime comunista polonês no roteiro escrito pelo cineasta com Janusz Glowacki.

O longa começa no interior da Polônia, em 1949, com flashes da pesquisa de Irena (Agata Kulesza) e Wiktor (Tomasz Kot) entre os camponeses de músicas típicas. O público depois entende que ela serve para a montagem de uma peça musical inspirada na música folclórica polonesa, da qual a esperta Zula (Joanna Kulig) se destaca na audição, chamando a atenção do pianista e arranjador Wiktor. É então que o cerne do filme se apresenta, como um romance que passeia por vários anos, especialmente a década de 1950 e também a de 1960, e locais.

Isso porque a turnê do espetáculo viaja por vários países do Leste Europeu, indo de Berlim Oriental a Moscou com toda a exaltação stalinista, e também a antiga Iugoslávia do Marechal Tito, além da Paris onde o pianista se refugia da censura velada do governo que obriga os artistas a cantarem os feitos do socialismo na região mesmo sem contextualização dentro da obra. A direção de Pawlikowski e a fotografia de Łukasz Żal, que volta a trabalhar com ele depois de Ida, traz não só o mesmo o preto e branco, como os planos com os rostos nos cantos inferiores da tela, explorando todo o fundo e representando a impotência dos personagens em um cenário de austeridade. No entanto, quando o casal consegue romper a Cortina de Ferro e se livrar de amarras espaciais e políticas, eles mesmos jogam uma cortina de fumaça sobre erros e coisas que precisam ser discutidas em um relacionamento, colocando barreiras para o próprio amor, que vai pedir contas disso depois como já é uma sina de amores impossíveis.

Uma curiosidade final é que Pawel dedica a obra aos seus pais, talvez pelo fato de ter conhecido esse modo de vida nômade quando o pai de origem judia foi obrigado a sair da Polônia por conta de uma política antissemita e emigrou logo depois com a mãe para a Inglaterra.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 14h00

 

(Pedro e Inês, 2018)

“Agora, Inês é morta!”. O ditado geralmente aplicado sobre decisões e atitudes tomadas tardiamente ou acontecimentos irreversíveis tem origem na história de nossos colonizadores, remontando ao século XIV, quando o rei Pedro I de Portugal ainda era príncipe. O rapaz se apaixonou perdidamente pela tal Inês de Castro, dama de companhia de sua esposa Constança, e manteve um caso com ela, que teve quatro filhos do futuro monarca. Quando ele fica viúvo e temem sua proximidade com a moça, o destino dela é selado de maneira trágica e o amado se vinga de modo igualmente cruel de seus algozes quando toma o trono e morbidamente coroa a morta como rainha.

Uma das lendas mais importantes da realeza de Portugal, junto com o mito de D. Sebastião, a tragédia de amor dos dois já foi levada várias vezes às páginas e telas da literatura e cinema do país e ganha uma nova versão nas mãos de António Ferreira em Pedro e Inês: O Amor Não Descansa (2018). O diretor português reimagina esta história em três tempos, com o ator de novelas locais Diogo Amaral vivendo o Pedro I da era medieval, o arquiteto Pedro Bravo no presente e o Pedro Rey, filho acuado do líder de uma comunidade quase seita em um futuro distópico que mais parece uma representação de uma época passada. Essa trinca de subtramas ainda é amarrada por mais outra nessa narrativa intercalada, com um Pedro contemporâneo sofrendo em um hospital psiquiátrico pela perda da amada Inês, que é interpretada pela atriz luso-brasileira Joana de Verona, de Praça Paris (2017) e As Mil e Uma Noites: Volume 2, O Desolado (2015), em todos os períodos.

Amaral declara belos versos em off nesse ambiente do hospício, belamente fotografado por Paulo Castilho, seja como linha utilizada para costurar a narrativa ou para bordar detalhes que o cineasta deseja colocar em relevo, mas o recurso já traz em si o contraste na repetição das mesmas imagens na montagem, como se estivesse faltando material para preencher estas sequências reflexivas. Tendo o melodrama como chave, Ferreira tropeça ao abusar da representação novelesca – que em si não teria problema, se não empregasse modelos de telenovela já ultrapassados aqui –, particularmente dos antagonistas do casal. Por fim, o filme que em sua proposta multitemporal ousada pretende falar da inevitabilidade do amor e de seu destino trágico em uma sociedade que se repete em sua repressão, acaba perdendo o fôlego daquilo que lhe é essencial e não aproxima o público desses amantes.

> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 27/10/2018 às 19h50

> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 31/10/2018 às 19h40

 

(Friday's Child, 2018)

Exibido no festival South by Southwest (SXSW) deste ano, Friday’s Child (2018) é o segundo longa do diretor A.J. Edwards, que estreou na função com um olhar sobre a infância de Abraham Lincoln em The Better Angels (2014). Subindo a sua faixa etária de interesse aqui, o cineasta independente norte-americano faz um coming of age cuja mudança é abrupta para o protagonista. Entrecortada por relatos de jovens no estilo de um docudrama, o prólogo apresenta Richie (Tye Sheridan, bem na introspecção de seu papel), um rapaz que acaba de completar 18 anos e precisa sair do orfanato para encarar logo a vida adulta.

O garoto aceita qualquer tipo de emprego para tentar pagar o aluguel, mas quando as coisas apertam, o instinto de sobrevivência e experiências passadas de tomar a via mais fácil o levam a atitudes extremas. Nisso, dois personagens cruzam o caminho dele, quase como a personificação do anjinho e do demônio na cabeça do protagonista. O junkie Swin (Caleb Landry Jones) é aquele que revela o lado mais obscuro de Richie e também a parte mais entediante para o espectador, enquanto Joan (Imogen Poots, a melhor no filme) que, sem querer, o resgata em um momento de fuga, é quem o acalma e lhe mostra o amor, além de ser a única saída de redenção para ele, ainda que isso signifique perde-la.

Editor de filmes do Terrence Malick, é clara a influência do cinema do mestre na forma como o novato constrói a sua narrativa, da câmera à montagem. Com uma steady cam perambulante, sua lente sempre está muito próxima do rosto dos personagens, especialmente o protagonista, como se estivessem diante de uma visão distorcida de seu próprio mundo. A saída melodramática do roteiro em seu terceiro ato contradiz um realismo etéreo obtido até então, mas igualmente gera um interesse final em uma narrativa claudicante. Por fim, se a culpa consome o rapaz, paira também uma espécie de culpa coletiva da sociedade com o(s) órfão(s) ao não conseguir um lar definitivo para ele – o garoto, aliás, aprendeu a arrombar fechaduras com um dos vários pais adotivos que teve – e não lhe dar o apoio necessário ao sair da guarda do Estado, porém, a obra nunca chega à maioridade ao tratar deste tema, como Temporário 12 / Short Term 12 (2013) já fez muito bem.

> Espaço Itaú Augusta 1 – 27/10/2018 às 17h40

 

(Boening, 2018)

O título do novo filme de Lee Chang-Dong pode sugerir algo explosivo, mas a verdade é que Em Chamas (2018) só chega a este ponto depois de uma paciente fervura em uma narrativa cuja ebulição vem gradualmente. A maneira como o cineasta sul-coreano conduz isso ao adaptar o conto Queimar Celeiros (1993), do escritor japonês Haruki Murakami, chamou a atenção dos críticos internacionais no Festival de Cannes, que lhe deram o prêmio FIPRESCI. Por tabela, lhe garantiu sua escolha como o candidato da Coreia do Sul na disputa por uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O thriller começa com o reencontro do entregador e aspirante a escritor Jongsu (Yoo Ah-In) e com a promotora de promoções de outra loja Haemi (Jun Jong-Seo). Os dois cresceram na mesma região e passam a se encontrar outras vezes, até que ela faz a sua tão sonhada viagem para a África e, na volta, traz na bagagem o bem-sucedido Ben (Steven Yeun). A tensão sexual e os ciúmes vão crescendo entre o trio, com um desaparecimento elevando isso ainda mais na segunda metade de suas duas horas e meia de duração.

Este crescente é pontuado pela trilha sonora de Mowg que inclui através de instrumentos típicos uma sonoridade oriental no suspense de suas composições. Vários elementos instigam leituras no decorrer da trama, a exemplo do gato imaginário, mas o que ganha mais destaque é o uso do sol para graduar esse “aquecimento narrativo” assim como a leitura das diferenças de classe na sociedade sul-coreana. Para coroar, o clímax arrebatador ainda entra no hall daqueles finais que se pode duvidar se ocorreu na realidade ou é fruto da imaginação do protagonista.

> Cinesala – 27/10/2018 às 16h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 28/10/2018 às 17h20

> Espaço Itaú Pompeia 1 – 29/10/2018 às 21h00

> Cinearte Petrobras 1 – 21/10/2018 às 14h00

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