top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

VERÃO 1993 | Um verão silenciosamente tempestuoso

Atualizado: 9 de jul. de 2020


”O mundo visto de uma janela”, a do cinema, “pelos olhos de uma criança”. Se a memória da própria infância leva esses versos à mente para definir Verão 1993 (2017), não é por acaso: Carla Simón realmente utiliza o olhar de uma menina de seis anos entre dois mundos, o perdido com a morte da mãe e o novo com a convivência na casa dos tios, para tecer o seu conto familiar sobre o luto em seu primeiro longa. E faz isso com tamanha habilidade, naturalismo e sincera delicadeza, que, além de distanciar a produção espanhola de outros dramas familiares – especialmente hollywoodianos – sobre o tema, envolve o espectador no turbilhão emocional que a protagonista está passando internamente e em suas próprias lembranças infantis.

A experiência pessoal da cineasta com a perda mãe na mesma idade e pelos mesmos motivos que a personagem lhe permite essa autenticidade na escolha, que não fica apenas no foco narrativo centrado em Frida (Laia Artigas, que também traz um mundo de emoções em seus olhos), mas também ao adotar o ponto de vista da menina em alguns planos subjetivos e no posicionamento da câmera na altura da criança. O resultado se refletiu nos prêmios de Melhor Primeiro Filme e da Mostra Generation Kplus no Festival de Berlim e várias indicações ao Goya, o “Oscar espanhol”, da que pode ser, talvez, a última produção catalã escolhida como representante da Espanha ao Oscar, embora tenha ficado injustamente de fora da pré-lista da Academia. A aparente simplicidade e lentidão do longa pode ter afastado os votantes, porém, o melhor da obra está justamente neste processo narrativo, que parece sempre estar a um ponto da ebulição, e no não-dito.

O Verão está na tela na fotografia solar e idílica de Santiago Racaj, assim como o 1993 está na direção de arte de Mónica Bernuy e Isona Rigau e no figurino de Anna Aguilà. No entanto, o ano, como representante de um período que vai dos anos 1980 ao início dos 90, ecoa mais no que está implícito no roteiro. As temidas quatro letras que designam a doença ou as três que dão nome ao vírus não precisam ser citadas em nenhum momento do filme para que o público saiba as origens da pneumonia que levou embora a mãe de Frida ou o temor que acomete a todos quando a menina simplesmente cai, rala o joelho e sangra um pouco.

Por outro lado, as palavras muitas vezes são desnecessárias para descrever a tempestade emocional da protagonista. A câmera colada no rosto da menina na sequência de abertura revela mais o quanto ela está perdida dentro da própria casa, em Barcelona, de onde preparam a sua mudança para o interior da Catalunha, na região de Girona, junto com o tio Esteve (David Verdaguer), irmão de sua mãe, a tia Marga (Bruna Cusí) e a prima Anna (a pequena e também talentosa Paula Robles) que já a vê como irmã. Nas interações das duas crianças, cuja naturalidade é muito bem extraída pela direção de Simón, se revelam as lembranças maternas de Frida, o luto ainda não processado e as dificuldades de se integrar à nova família, apesar da benevolência em acolhê-la.

Se momentos singelos, como o medo da criança urbana com as galinhas, rapidamente ambientam o público e o colocam na mesma experiência de deslocamento e dor desconhecida de Frida, a cineasta evita o sentimentalismo e a autoindulgência consigo mesma, não tornando a personagem somente vítima da situação, mas também algoz. A menina que não consegue dormir também faz manha por necessidade de atenção, revelando certa perversidade possível e pouco abordada, apesar da tenra idade e de sua ingenuidade, como mecanismo para esconder o sofrimento.

Isso faz a plateia esquecer, até certo ponto que a menina ainda não completou o seu processo de luto, que é algo muito pessoal e não tão exato como aquelas cinco famosas fases de que trata a psicologia, como o filme, um forma própria de Carla lidar com uma perda de quase 25 anos atrás, deixa claro. O espectador só se dá conta disso quando a “ficha” de Frida cai, de modo tão inesperado quanto a morte, e as lágrimas simplesmente caem junto.

 

Verão 1993 (Estiu 1993, 2017)

Duração: 97 min | Classificação: 12 anos

Direção: Carla Simón

Roteiro: Carla Simón, com colaboração de Valentina Viso

Elenco: Laia Artigas, Paula Robles, Bruna Cusí, David Verdaguer, Isabel Rocatti, Fermí Reixach, Montse Sanz e Berta Pipó (veja + no IMDb)

Distribuição: Supo Mungam Films

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page