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  • Foto do escritorCauê Petito

MOSTRA SP 2017 | Dia 13 – Os caminhos da violência

Atualizado: 1 de mai. de 2021

As origens, sintomas e consequências da violência aparecem nos filmes que desembarcam neste penúltimo dia 41ª Mostra, nas últimas sessões do filme histórico argentino Zama (2017), do visceral longa espanhol Dhogs (2017) e do retrato da máfia japonesa em Outrage Coda (2017), final da trilogia de Takeshi Kitano.

 

Cena do filme argentino Zama (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

O oficial da Coroa Espanhola Don Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho) contempla, à beira de uma praia na América do Sul, o horizonte. Esta é uma das imagens mais poderosas de Zama, o aguardado novo filme de Lucrecia Martel, uma obra que possui outras imagens igualmente simbólicas. Usar o artigo definido "O" talvez seja um equívoco. Zama é, afinal, apenas mais um. Ao observar o horizonte, mantém uma pose de suposta imponência calculada e rígida, nunca mostrando conforto de fato. As risadas das nativas que o observam estão, em sua maior parte, fora do quadro, para os olhares desconfiados e paranóicos de Zama. Ele ocasionalmente as observa, com a curiosidade de quem vê animais exóticos. Essa é a história de um homem obcecado com a imagem que construiu de si mesmo, e sua lenta decadência.

Zama é baseado na obra do argentino Antonio di Benedetto escrita em 1956, e apesar de ser o representante argentino no Oscar, ele é uma co-produção brasileira, e tem provocado reações das mais polarizadas em sua narrativa que se arrasta, brincando com um imaginário extravagante dos Europeus em relação a América do Sul. Assim, somos surpreendidos nos momentos em que Martel explora o mágico, atribuindo um misticismo, uma áurea folclórica e fantástica sobre aquele lugar, que podem vir ou não do estado mental de seu protagonista que cada vez mais se deteriora.

É o século 18, e o oficial, nascido na America do Sul, aguarda por uma carta do rei que deverá autorizá-lo a se transferir da cidade - nunca especificada - em que vive estagnado, para um lugar melhor. O que se vê então, é uma narrativa que trabalha em cima do devaneio para submeter Zama a situações cada vez mais humilhantes, com resultados cômicos, dramáticos e absurdos. A diretora opta por uma caminho ousado, acompanhando seu protagonista por diversas situações, cada vez mais decadentes, que nem sempre são as mais dinâmicas ou enérgicas: é sentido o ócio e o desamparo de Zama de todas as formas, seja nos planos belos mas prolongados construídos por Martel e seu fotógrafo Rui Poças ou na trilha sonora de ruídos desconfortáveis.

E se Zama não é exatamente o personagem mais agradável (estamos falando de donos de escravos), não quer dizer que não haja uma complexidade em suas necessidades de ser respeitado elevadas pela ótima atuação de Daniel Giménez Cacho, e tais trejeitos se tornam ainda mais evidentes quando são, ironicamente, abandonados. E quando encontramos Zama, anos depois de ser enrolado - e alvo de proveito de quase todos naquela cidade - , com uma grande barba e sem a evidente necessidade de impressionar ninguém, no encalço de um criminoso conhecido como Vicuña Porto, o tom muda rapidamente, adotando um clima crescente de tensão até que a violência chega, sem aviso.

Acompanhar a decadência de seu protagonista que evolui para a punição e termina num epifânico conformismo nem sempre é uma tarefa fácil. No entanto, não se pode dizer que a obra de Lucreia Martel não possua identidade, em suas escolhas narrativas ousadas e retratos surrealistas da América do Sul, com personagens que servem de espelho para alguns males do ser humano que ainda são atuais. A trilha sonora cômica e tropical que Martel escolhe para acompanhar os maus bocados de seu personagem-título, Zama , cimenta o tom episódico e banal, representando sempre com ironia a jornada de seu protagonista tolo, trágico e errôneo.


ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2

31/10/17 - 13:30 - Sessão: 1242 (Terça)

 

Cena do filme japonês Outrage Coda (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

As relações familiares sempre foram elementos quase que inerentes ao próprio cinema de máfia, e em Outrage Coda, capítulo final da trilogia Outrage de Takeshi Kitano, não é diferente. Na verdade, ela é ressaltada ainda mais aqui, já que trata-se de uma cultura japonesa que preza pela honra e irmandade. A família é a fundação e o fim, a salvação e a ruína, podendo acolher seus integrantes, mas também causar sua implosão, como vemos no novo trabalho do celebrado cineasta, que como de costume, escreve e protagoniza.

Cinco anos após os eventos de Outrage: Beyond (2012), o ex-chefe da Yakuza, Otomo (vivido pelo próprio Takeshi), agora vive tranquilamente na Coreia do Sul, trabalhando para Mr. Chang (Kaneda Tokio), respeitado chefe cuja influência se extende até o Japão. Introduzindo Otomo numa cena em que ele pesca com seu tenente e amigo, Ichikawa (Omori Nao), Kitano atribui humanidade ao mesmo, através desse momento de leveza e descontração. Após uma confusão tola envolvendo o jovem e inconsequente Yakuza Hanada (Pierre Taki), que causa problemas em um dos hotéis de Chang e violenta duas de suas garotas de programa, Otomo tem que intervir, num momento de conflito de geração do "velho versus o novo".

"Você nem tem tatuagens!" grita, desrespeitosamente, o tolo Hanada – que tem o corpo repleto delas –, sem ter a mínima ideia de que se dirige a uma lenda desse submundo. É através desses atos bobos e inconsequentes que a maior parte dos conflitos tem início, e a violência consequente destes atos acaba soando, assim, tola, desnecessária, evitável. Ou seria o contrário? O respeitado Chang é um homem de poucas palavras e, através dessa atitude mornos silábica, acaba passando respeito e disciplina. São os mesmos ideais partilhados por Otomo, que contrapõe sua personalidade mais séria com pontuais piadas juvenis. É curioso ser justamente Chang, o sábio que reconhece o peso da violência, sendo o mais relutante, como se fosse obrigado a utilizá-la, mas não sentisse nenhum prazer nisso.

A nova geração, no entanto, a ostenta. Como na cena em que um grupo de assassinos contratados, claramente despreparados, se reúne em frente ao local do atentado como se estivessemnum jogo de futebol americano, repassando de forma desajeitada a situação antes de partir com postura baderneira ao seu destino.

Provocando o riso através das ações tolas de seus personagens e suas respectivas arapucas, Outrage Coda funciona como uma comédia de erros de família, quase que uma espécie de máfia dos trapalhões que se contrapõe com os arroubos de violência crua e letal já habituais do cinema de Kitano. Se esses elementos começam a demonstrar um claro sinal de fadiga, num enredo que se arrasta em meio aos aos caminhos de outros filmes do gênero, não é nada mais do que poético que o próprio Otomo - e Takeshi Kitano - reconheça isso, encerrando essa escalação de violência boba, sem sentido e que se retroalimenta da forma mais lógica: com um fim em si mesma, esboçando uma expressão que se aproxima mais do cansaço do que satisfação.

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

31/10/17 - 13:30 - Sessão: 1237 (Terça)

 

Cena do filme espanhol Dhogs (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

O bar de um hotel na Espanha. Dois desconhecidos, um senhor de traços físicos pouco chamativos e uma bela mulher que, como ele mesmo diz, "tem idade para ser sua filha", jogam conversa fora, no habitual papo furado de um momento em que você quer, por hábito, ficar sozinho. Ele fala sobre bebida e suas visões pessimistas de mundo e ela demonstra um genuíno interesse, com sorrisos fáceis. O barman, olhando pelos cantos, presta atenção na conversa. Não demora para que esse interesse escancare segundas intenções, quando ela pergunta, para espanto do senhor e do barman à espreita, qual o tamanho de seu pênis. Desconcertado e incrédulo com a situação, ele incita a conversa picante, que é acompanhada agora não só pelo barman, mas por algumas das pessoas presentes no local.

Olhares de desconforto, curiosidade e tesão são lançados aos dois enquanto o flerte acontece. A dúvida se instala sobre o público, que, acostumado com produções de cinema que estabelecem regras de compatibilidade em relação à beleza física, começa a duvidar das intenções da moça. Uma dúvida que é partilhada, também, pelo senhor, quando pergunta de forma desajeitada se a moça é uma garota de programa. Ela se ofende. Só queria sexo casual. Ele se desculpa, paga a conta e os dois sobem para levar essa brincadeira para outro nível. O barman sorri.

Acompanhamos os passos embriagados dos dois pelos corredores até a chegada ao quarto, enquanto a sensualidade da situação íntima cresce. Ela começa a tirar sua roupa quando, repentinamente, a câmera vira 180 graus e revela uma audiência, que assiste à cena, com a mesma expressão que nós mesmos – incluindo as de desconforto, como a do casal ao meu lado. O metalinguístico momento desarma nossas expectativas, após uma sequência de crescente tensão sexual e provocação conduzidas com imensa competência pelo diretor Andrés Goteira neste Dhogs, uma produção que deve muito à David Lynch e mistura Holy Motors (2012), de Leos Carax, com Violência Gratuita (1997/2007) de Michael Haneke – e perde-se a conta da quantidade de vezes em que o diretor está sendo mencionado nos textos desta 41ª Mostra, o que não deixa de ser um sintoma interessante em produções que demonstram cada vez mais um desejo por explorar os propósitos da violência –, e até com outro destaque desta edição, Bikini Moon de Milcho Manchevski. Cada um destes poderiam participar de uma interessante dobradinha com Dhogs, sendo a obra de Leos Carrax, talvez, aquela que possui um diálogo mais direto com esta.

As reações do público da Mostra foram bem semelhantes àquelas mencionadas no texto de Bikini Moon: algumas fascinadas e outras totalmente aborrecidas. Esta é mais uma produção que possui o farsesco como tema e fica cada vez mais clara a rejeição de um público que não aceita ser manipulado, que não quer ser provocado, mesmo que as discussões e questionamentos levantados sejam contundentes – e que essa manipulação seja admirável do ponto de vista técnico. Dhogs utiliza vários tipos de narrativas que cada vez mais questionam o real e o imaginário, as possibilidades da contação de histórias que são trazidas até nós por situações pitorescas de comportamento animalesco de seus personagens, em sua maioria desprezíveis moralmente, que causam um incômodo maior por despertar, naquele que assiste, o interesse, a intriga pelo horrível e pelo grotesco.

Com uma coleção de imagens fortes e marcantes – como a máscara de coelho que certo personagem usa em um dos momentos –, Goteira se atém, através de 3 capítulos, aos pontos de vista. Essa é uma das imagens recorrentes nesta obra: o ato de observar. O estuprador que persegue sua vítima, o taxista transgênero, a dona de um posto de gasolina, um garoto que assiste – e controla – o filme que é assistido por nós. E por último, a audiência de anônimos numa sala de cinema que nos assiste, frente a frente, como um espelho. Qual é mais real?


CIRCUITO SPCINE LIMA BARRETO - CCSP

31/10/17 - 16:00 - Sessão: 1219 (Terça)

 

Quando conhecemos o nosso protagonista, O Motorista de Táxi do título, vivido pelo ótimo Kang-Ho Song, ele canta, animado e dançante, uma música romântica que toca na rádio, enquanto dirige seu táxi para pegar o próximo passageiro. Não seria, no entanto, um bon vivant: viúvo, endividado e com uma filha pequena para criar, o motorista é, na verdade, o esteriótipo do taxista rude, mal informado e pão duro, que se preocupa apenas se receberá cada centavo da corrida de cada dia. A difícil rotina deste taxista da ilha de Seul muda, no entanto, quando ele é contratado – ou melhor, quando ele rouba a oportunidade de outro taxista – por um jornalista alemão, Peter (Thomas Kretschmann), para levá-lo até a cidade de Gwangju por um preço absurdo que o fará quitar suas dívidas. O que o taxista não sabe, no entanto, é que o local está em estado de lei marcial e os cidadãos, liderados por um grupo de estudantes, estão reivindicando sua liberdade no ato chamado de Revolta de Gwangju, evento real que aconteceu na Coreia do Sul, em maio de 1980.

Representante sul-coreano no Oscar, O Motorista de Táxi possui todas as características intrínsecas ao cinema do país, como uma dramaticidade elevada predominante, um passeio pela comédia, aventura, drama e suspense, e uma expressividade visual muito característica. Desta forma, o filme do diretor Hun Jang opera realmente como um grande épico. Se esse possível melodrama incomoda em partes, ele consegue ao mesmo tempo passar uma sensação de autenticidade justamente por elementos culturais, pela sensação de honestidade com o próprio estilo.

As situações surreais que partem da premissa ancorada em eventos verídicos não prejudicam o todo, já que o diretor e seus montadores, Kim Sang-Bum e Kim Jae-Bum, sabem quando dar atenção aos momentos mais pesados, como os confrontos de manifestantes contra os militares, que são fotografados por Go Nak-Seon sem o mesmo dinamismo das outras cenas, de uma forma quase documental que confere essa verossimilhança. É uma pena que em seu longo clímax o filme se renda a clichés tão óbvios e – novamente – típicos de produções sul-coreanas, que são extrapoladas mesmo neste tipo de cinema, e aí a situação real e densa se perca nas fantasias cinematográficas do espetáculo que seu diretor constrói.

O que se sobressai, no entanto, é a jornada de seu protagonista, assim como a relação que é construída com o jornalista alemão. Numa produção que se presta a todo instante a ressaltar a falta de comunicação de várias formas, é catártico quando laços são formados, e o momento de respiro no qual estes personagens têm a oportunidade de simplesmente dar risada e relaxar na casa de um dos habitantes de Gwangju é belo. Momento que é abruptamente interrompido por um tiro, numa das transições efetivas entre dois tipos de realidade.

O Motorista de Táxi é melodramático. Daquelas produções exageradas que utilizam um tragédia real como impulso para uma jornada de personagem mais básica. É nessas sensibilidades tão características de seu lugar de origem, no entanto, que ele consegue achar sinceridade, com atuações genuinamente emocionantes, principalmente de sua dupla principal, vivida por Kang-Ho Song e Thomas Kretschmann, e momentos que pregam aquela mensagem da empatia e da liberdade de expressão vista algumas vezes nesta Mostra. Às vezes, o arroz e feijão do melodrama funciona.

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

31/10/17 - 14:00 - Sessão: 1228 (Terça)

 

“Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Afinal, não basta isso para encher a vida inteira de um homem?...”. É assim que Fiódor Dostoiévski encerra Noites Brancas (1848), seu conto sobre dois solitários que conversam durante quatro noites sobre o vazio de suas vidas e a eterna busca para preencher este espaço com amor, que fora adaptado várias vezes para a TV e o cinema. Uma das mais recentes marca a volta de Paul Vecchiali para o radar dos cinéfilos, com o minimalista Noites Brancas no Píer, presente na seleção da 38ª Mostra e que volta na edição deste ano, dentro da retrospectiva da obra do cineasta francês. (...)

Aqui, o protagonista, chamado apenas de “Sonhador” no conto, ganha nome: Fiódor (Pascal Cervo), que, segundo o próprio, ganhou esta alcunha porque sua mãe, já morta, era fã de Dostoiévski. Uma clara homenagem ao autor que criou, com o personagem, um alter ego para si e para todos os leitores. Um homem amargurado pela vida que não consegue se relacionar com mulheres, até conhecer Nástienka, chamada de Natasha (Astrid Adverbe) no filme. (...)

Vecchiali, que aparece brevemente na primeira cena avisando o protagonista de que não teria as mesmas convicções para sempre, fundamenta seu filme na força da palavra e o estrutura de maneira bem teatral. Porém, por trás de uma mise-en-scène simplista, o diretor de Femmes Femmes (1974) investe em simples ferramentas cinematográficas para ampliar significados em uma produção de baixíssimo orçamento. Os planos fixos representam a imobilidade na vida dos personagens, que procuram sair desta letargia através do amor; sob a luz do poste ou do farol, cada um deles sai da penumbra onde o outro – e tudo – se encontra para revelar seus sentimentos recônditos, em longas conversas que iluminam dúvidas tão comuns a todos. (...)

De um surrealismo hermético, o exercício cinematográfico de Vecchiali sobre o amor pode acabar afastando parte do público. Outros conseguirão identificar, em maior ou menor grau, suas próprias confissões nestes dois amantes desencontrados.



ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

31/10/17 - 21:40 - Sessão: 1256 (Terça)


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